Revista Rua


A patrimonialização do cotidiano: desafios para as políticas públicas
The diurnal heritage: challenges for public policies

Fabíola Rodrigues

 

Essa constatação dá a medida da real dificuldade de se democratizar a política patrimonial, pois se o monumento histórico serve, justamente, de suporte à memória afetiva (CHOAY, 2001), uma política pública de preservação e gestão do patrimônio cultural deve se mostrar atenta e sensível à pluralidade de representações sociais e culturais, capaz de selecionar da massa de bens passíveis de preservação, existentes na paisagem, um conjunto de elementos consistente e representativo dos processos sociais, econômicos, políticos e culturais que dão inteligibilidade à (trans)formação da paisagem urbana.  
Nesse sentido, o inventário das Vilas Operárias de Campinas, edificadas no período compreendido entre 1930-1960, atualmente em processo de construção pela equipe da Coordenadoria Setorial do Patrimônio Cultural (CSPC) – órgão de apoio técnico ao CONDEPACC – demonstra o esforço da política patrimonial em documentar e encampar os testemunhos da cultura material das camadas populares.
Se é verdade que o CONDEPACC já atentou para outros bens importantes que exprimem práticas e valores associados ao mundo do cotidiano e, sobremaneira, ao mundo do trabalho, como exemplificam o tombamento de edifícios industriais (Lidgerwood Manufacturing Ltda – Processo de Tombamento nº 03/1989; Fábrica de Chapéus Cury – Processo de Tombamento nº03/1994; Indústria de Seda Nacional – Processo de Tombamento nº06/2009), a grande novidade, eu diria ousadia, do supramencionado inventário das vilas operárias é, precisamente, marcar como passível de patrimonialização bens culturais que dificilmente seriam legitimados por sua arquitetura (de resto, “banal”), mas, que ganham sentido por seu valor afetivo, ou por seu caráter de documento do processo de urbanização por que passou a cidade.
Nesse contexto de “busca” pela democratização da prática e da política patrimoniais, um tombamento em especial – o da Torre do Castelo – chama a atenção como significativo da transição entre a salvaguarda de bens cuja preservação estava calcada na excepcionalidade – ou pelo menos na exemplaridade arquitetônica, e a preservação de bens culturais cujo substrato reside no seu caráter de suporte material de processos sociais variados, representativos de mudanças produtivas, tecnológicas, urbanísticas, ou simplesmente afetivas.
O processo de estudo de tombamento da Torre do Castelo foi, certamente, um dos primeiros a levar em consideração na motivação de sua abertura o conceito de paisagem cultural, tal como postulado na Carta de Bagé: