Revista Rua


A fábula da origem
The fable of the origin

Renato Salgado de Melo Oliveira

emanavam em uma frequência completamente distinta daquela em que pensava o estudante.
– A genealogia desenvolvida por Foucault (2006) perambula sobre duas ideias de origem distintas: a proveniência e a emergência. A proveniência, de acordo com o pensador francês, “(...) é o antigo pertencimento a um grupo – do sangue, da tradição, de ligação entre aqueles da mesma altura ou da mesma baixeza(...)” (FOUCAULT, 2006, p.20). Uma continuidade do passado que se faz presente pela herança. Faz-se passar por uma potência capaz de fundar um sentido para o Eu e de cercá-lo de uma identidade. Uma outra força que ronda essa herança é o medo em relação ao futuro. O tronco deve ser mantido e não extinto, “não há mudanças, mas sim perdas”, diz a voz do tradicionalista temendo a eterna entropia moral do tempo – dizia o cientista como se alguém, além dele próprio, prestasse atenção em suas palavras.
            Definitivamente, o cientista estava atrapalhando o estudante. O jovem precisava preparar um texto para um congresso, não podia faltar à aula, então decidiu elaborar algo dentro da sala, porém o professor não se calava um minuto, é preciso silêncio para pensar, assim nada sairia, as palavras do cientista contaminavam os pensamentos do estudante.
– As biotecnologias caçam essa origem da proveniência. Buscam entalhar no tronco da árvore os antepassados. Investindo com força na constituição da identidade do indivíduo por sua ancestralidade. Retomando assim o passado solene e metafísico. Uma pureza e uma verdade capaz de constituir sentido em meio ao caos, pois seria a história a narrativa ordenadora; capaz de reinstituir a organicidade supostamente perdida do tempo. Tempo verdadeiro e esvaziado de subjetividade, escrito pelas mãos do destino, escrita-DNA continuava o cientista alheio aos delírios do estudante.
            “É claro!” Pensou em triunfo o estudante, mas que ideia genial, brilhante, para não dizer única. O evento propunha debater um filme chamado Narradores de Javé, no qual um grupo de moradores de um pequeno e perdido vilarejo tentavam escrever a história de seu vale para salvá-lo de um dilúvio iminente. Os moradores acreditavam que se provassem o valor da grandeza histórica do vale poderiam ter uma chance de deter o avanço do futuro, transformando o vale em patrimônio. Para isso convocam o homem que trabalhava no posto de correios da cidade, que, provavelmente, seria o homem mais “letrado e culto” da região. O trabalho de escrita da história de Javé é uma busca pelas origens e fundação daquele povoado. Finalmente ele estava conseguindo se desprender do que falava o cientista e começava a resolver seus problemas, poderia escrever um jogo sobre as origens de algo, um debate com o filme.