Revista Rua


A fábula da origem
The fable of the origin

Renato Salgado de Melo Oliveira

E a aula continuou à deriva, por outros caminhos, dos quais o estudante não se lembrava ao certo.
 
Segunda fábula – “o poeta e o francês”.
 
O poeta escreveu:
A rã
O homem estava sentado sobre uma lata na beira de uma garça. O rio Amazonas passava ao lado. Mas eu queria insistir no caso da rã. Não seja este um ensaio sobre orgulho de rã. Porque me contou aquela uma que ela comandava o rio Amazonas. Falava, em tom sério, que o rio passava nas margens dela. Ora, o que se sabe, pelo bom senso, é que são as rãs que vivem nas margens dos rios. Mas aquela rã contou que estava estabelecida ali desde o começo do mundo. Bem antes do rio fazer leito para passar. E que, portanto, ela tinha a importância de chegar primeiro. Que ela era por todos os motivos primordial. E quem se fez primordial tem o condão das primazias. Portanto era o rio Amazonas que passava por ela. Então, a partir desse raciocínio, ela, a rã, tinha mais importância. Sendo que a importância de uma coisa ou de um ser não é tirada pelo tamanho ou volume do ser, mas pela permanência do ser no lugar. Pela primazia. Por esse viés do primordial é possível dizer então que a pedra é mais importante do que o homem. Por esse viés é que a rã se acha mais importante do que o rio Amazonas. Por esse viés, com certeza, a rã não é uma creatura orgulhosa. Dou federação a ela. Assim como dou federação à garça quem teve um homem sentado na beira dela. As garças têm primazia (BARROS, 2008, p. 51).
 
            A rã é como o macaco, que tem direitos por primazia. Diferentes do leão, que se faz valer por sua herança, por sua linhagem. O poeta leva a situação do instante atual para o primórdio dos tempos, um ritual onde os acontecimentos se repetem. A rã já estava lá quando o rio passou pela primeira vez, e agora que o rio ainda passa a rã ainda está lá. E desta lógica se explica o sentido da narrativa, e a ordem das palavras. “Falava, em tom sério, que o rio passava nas margens dela”. Porém, o poeta é um enganador. Se a origem legitima o bom senso e fixa no passado o sentido presente, a origem do poeta força uma gramática que desobedece a essa ordem. Fixa no passado um acontecimento que extrapola com a ordem do bom senso. Pois o que se escreve é que o sapo estava na margem do rio e não o contrário.
O francês escreveu:
(...) Como se o olho tivesse aparecido, desde o fundo dos tempos, para a contemplação, como se o castigo tivesse sempre sido destinado a dar o exemplo. Esses fins, aparentemente últimos, não são nada mais do que o atual episódio de uma série de submissões: o olho foi primeiramente submetido à caça e à guerra; o castigo foi alternadamente submetido à necessidade de se vingar, de excluir o agressor, de se libertar da vítima, de aterrorizar os outros. Colocando o