Revista Rua


Memória, narrativa urbana e favela: efeitos de sentido em um videoclipe
Memory, urban narrative and favela: effects of meaning in a videoclip

Lucia M. A. Ferreira*, Andréa Rodrigues**

especialmente a musicalidade da favela em meio à precariedade das condições de vida – o filme Orfeu negro de Camus, de 1959, é emblemático nesse aspecto – , até as mais recentes produções do cinema brasileiro – Cidade de Deus, Tropa de elite I e II e Cinco vezes favela: agora por nós mesmos – , incluindo aqui também a recente produção argentina  Elefante branco, a favela vem sendo tematizada em narrativas urbanas que fazem emergir uma rede de sentidos em disputa. Espaço de cultura, musicalidade, miséria, violência, injustiça, pacificação, regeneração, beleza. O discurso sobre a favela não é nem poderia ser homogeneizante – vale destacar aqui o que lembra Orlandi (2004, p.29) a respeito da cidade: “(...) nem o social, nem a cidade, em seu real, tem homogeneidade”.
Tomamos então o videoclipe que analisamos como um flagrante dessa narratividade urbana, uma cadeia significante que se tece na imbricação de diferentes materialidades, em meio à tensão entre a formulação de sentidos em cada sistema simbólico e a memória. Em sua opacidade, a formulação é atravessada pelo trabalho da ideologia, que torna evidentes sentidos colocados em disputa na memória. Enquanto modalidade do discurso urbano, os sentidos produzidos no clipe funcionam como “flagrantes de um olhar (um corpo) em movimento” (ORLANDI, 2001, p.31). Essas formas de significar são incluídas na própria forma material da cidade. Somente se separam da cidade para funcionar como “lembretes para o exterior”. Isso é que cria uma outra forma de narratividade, em que as condições de produção não se destacam dos textos. As narrativas urbanas não têm, assim, um narrador e um conteúdo separados das condições de produção.
No vídeo Favela Fashion Week, aparentemente o clipe promocional do CD Clareou, clareou... do grupo Reunião de Amigos, o próprio espaço é conteúdo do texto. Jacques (2001, p.3), ao abordar a favela como labirinto, observa que
 
(...) a favela não possuiu uma planta prévia, ela não foi desenhada, projetada. O labirinto-favela (...) não é fixo, acabado, ele está sempre se transformando. Nenhuma planta de favela é definitiva, só podem existir plantas momentâneas, e sempre feitas a posteriori. (...)
O tecido urbano da favela é maleável e flexível, é o percurso que determina os caminhos. Ao contrário da planificação urbana tradicional que determina o traçado a priori, na favela as ruas (e todos os espaços públicos) são determinadas exclusivamente pelo uso.
 
O clipe mostra um desfile de mulheres, que começa numa espécie de camarim e percorre as vielas da favela – a letra diz: “na favela (...) a viela vira passarela”. Se, como propõe Jacques, a favela e suas ruas são determinadas pelo uso, sem planta a priori