Memória, narrativa urbana e favela: efeitos de sentido em um videoclipe
Memory, urban narrative and favela: effects of meaning in a videoclip

Lucia M. A. Ferreira*, Andréa Rodrigues**

O desfile na favela ocorre no verão (o evento São Paulo Fashion Week é no inverno), os tipos de mulheres bonitas são mais variados – “tem para todos os gostos”. A passarela se estende por toda a favela. Observa-se então o discurso da valorização do morro, através de uma comparação que coloca a favela como tendo muito mais mulheres bonitas do que os desfiles das esquálidas branquelas do asfalto. Deslocando-se do rosto ao corpo das meninas, em closes insinuantes, a câmera marca a diferença entre o corpo da mulher do morro e a do asfalto, retomando uma memória do corpo da mulher negra que atraia o homem branco pela sensualidade e apelo sexual. Da mesma forma, a diferença é marcada esteticamente na vestimenta das meninas: shorts curtos, tops decotados, cores vibrantes, sapatos bem altos.

Os gestos de des-interpretação da favela como espaço restrito à pobreza, à criminalidade permeiam a tessitura do vídeo. Já no início do desfile, a Gisele negra descarta uma garrafa de água mineral jogando-a em uma lixeira guardada por um gari. Cena aparentemente incidente e banal, que será retomada no final do vídeo, com o gari caminhando e carregando a lixeira pela viela limpa, mas que reconfigura o imaginário sobre a favela no que diz respeito ao lixo e aos hábitos higiênicos de seus moradores.