Revista Rua


Personagens nas ruas do Rio de Janeiro do século XIX: leitura de A moreninha (1844) e O moço loiro (1845), de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)
Characters in the streets of Rio de Janeiro of the nineteenth century: a reading of A moreninha (1844) and O moço loiro (1845), by Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)

Joelma Santana Siqueira

É conhecida a observação do quanto o nosso romance deu vistas às descrições do espaço brasileiro, tanto no que diz respeito ao campo, quanto à cidade. A esse respeito, dois textos são exemplares: “Notícia da atual literatura brasileira”, também conhecido por “Instinto de nacionalidade”, publicado por Machado de Assis em 1873, pois aponta na literatura brasileira do período em questão um excesso de “cor local”, um descritivismo da natureza, costumes etc., nem sempre justificável; e o capítulo “Um instrumento de descoberta e interpretação”, pois aborda os primórdios do romance brasileiro, considerando que o nosso romance tinha sede de espaço, presente em um dos estudos mais famosos do crítico e historiador Antonio Candido, Formação da literatura brasileira, publicado pela primeira vez em 1959.
A descrição do espaço físico esteve no centro das atenções dos primeiros romancistas como um dos aspectos que garantiria verossimilhança à ficção. Porém, vale lembrar que o verossímil não se encontra na mera cópia do real, mas no reconhecimento e na validade do mundo fictício criado pelo autor, correspondentes às convenções do gênero ao qual se filia a obra. Na literatura, os escritores muitas vezes produziram visões do espaço mais idealizadas do que tensionadas com a realidade.
O escritor Joaquim Manuel de Macedo é mais conhecido do grande público como o autor do primeiro romance brasileiro. Foi um escritor que se dedicou com afinco à produção literária, tendo sido considerado em vida uma das maiores figuras da literatura, vindo a perder prestígio apenas quando do sucesso de José de Alencar. Produziu poesia, romance, teatro, crônica e textos oficias escritos sob encomenda. Entre as crônicas de sua autoria, destacam-se os volumes Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro (1862-63) e Memória da Rua do Ouvidor (1878).
Em seuprimeiro romance, A moreninha (1944), a narrativa centra-se no cotidiano de jovens do interior, filhos da elite, que vieram para o Rio de Janeiro estudar. Daí morarem em repúblicas e serem tão atraídos pelas festas dos parentes de seus colegas de faculdade. Poucas cenas se desenrolam na rua, mas, dentre estas, uma nos chama a atençãologo no início da narrativa. Trata-se do momento em que o estudante Augusto empresta seu escravo Rafael ao amigo Fabrício. Como o escravo demora a retornar, Augusto reflete sozinho:
 
Vejam isto!... já tocou a recolher e Rafael está ainda na rua! Se cai nas unhas de algum buleguim, não é, decerto o Sr. Fabrício que há de pagar as despesas da Casa de Correção... Pobre do Rafael! Que cavaco não dará quando lhe raparem os cabelos! (MACEDO, 1987, p.16)