Revista Rua


Personagens nas ruas do Rio de Janeiro do século XIX: leitura de A moreninha (1844) e O moço loiro (1845), de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)
Characters in the streets of Rio de Janeiro of the nineteenth century: a reading of A moreninha (1844) and O moço loiro (1845), by Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)

Joelma Santana Siqueira

parecem muito mais com ideias do segundo, por sua vez, espécie de porta-voz do escritor que, em 1845, ano da publicação de O moço loiro, tornara-se membro oficial do Instituto Histórico e, em 1849, ingressara na política, eleito Deputado à Assembleia Provincial do Rio de Janeiro e Deputado Geral por duas legislaturas, como representante do Partido Liberal[4].
A família de Hugo de Mendonça, especialmente sua mãe, Ema, a matriarca, avó de Honorina e Lauro, é tradicional e carrega ideias muito retrógadas a favor da permanência do julgo da metrópole sobre o Brasil. Como diz a ama Lúcia para Honorina, “a Sra D. Ema está exatamente no ponto em que estava há cinquenta anos atrás” (ML, p.65). Se pensarmos que a personagem diz isso no ano de 1844, cinquenta ano atrás corresponde ao tempo em que o Brasil era colônia de Portugal, portanto, contexto no qual Ema viveu parte de sua vida. O narrador nos diz que “O neto Lauro, por sua vez, era considerado pela avó um liberal, pois mesmo em sua presença “atrevia-se a combater e a zombar” de suas “nobres crenças, a que ele ousava dar o nome de prejuízos dos séculos de escravidão, e ignorância” (ML, p.52). Expulso da família, porém, o jovem se tornou dono de “uma embarcação carregada de algumas centenas de míseros africanos” que soçobrara e “ele só, lutara vinte horas dentro de um pequenino batel contra a fúria dos ventos e do mar, finalmente conseguindo chegar à praia de Itapuã...” (ML, p.188), na Bahia. O liberalismo de Lauro era, portanto, relativo. Mais uma vez Boris Fausto nos ajuda a refletir sobre esse fato na ficção, pois segundo o historiador “a defesa das liberdades e de uma representação política mais ampla dos cidadãos foram bandeiras levantadas pelo Partido Liberal, mas foi só a partir da década de 1860 que estes temas ganharam força em seu ideário, juntamente com a retomada das propostas de descentralização” (FAUSTO, 2006, p.182).
Há mais deslocamentos no espaço público nesta segunda obra, principalmente por parte dos personagens brancos. O primo expulso da casa da avó irá morar na cidade da Bahia; o personagem Felix, guarda-livros de Hugo de Mendonça, vai a São Cristóvão de ônibus; o cais da Rua Fresca dá acesso à travessia entre o Rio e Niterói, sendo utilizado pela jovem Honorina sempre acompanhada de seu pai e dividida entre a corte e o campo; alguns personagens se reúnem para passeios de batéis pelo mar entre S. Domingos e a praia do Gravatá; Hugo de Mendonça muda-se com a filha de Niterói para o Bairro da Glória, “bairro alegre e aristocrático”, onde “a diplomacia e a riqueza


[4] Consultar: “Resumo biográfico”. In: MACEDO, Joaquim Manuel de. A luneta mágica. São Paulo: Ática, 1995.