Revista Rua


Personagens nas ruas do Rio de Janeiro do século XIX: leitura de A moreninha (1844) e O moço loiro (1845), de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)
Characters in the streets of Rio de Janeiro of the nineteenth century: a reading of A moreninha (1844) and O moço loiro (1845), by Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)

Joelma Santana Siqueira

têm, no Rio de Janeiro, assentado o trono de seus prazeres” (ML, p.156); uma sege leva Félix e o moço loiro misterioso “a galope, deixando atrás de si diversas ruas tortuosas e feias da nossa cidade velha, e depois o Largo da Ajuda, o Passeio Público, o Largo da Lapa, e o cais da Glória, entrou finalmente na rua diplomática...” (ML, p.201).
O Passeio Público, construído entre 1779 e 1783, passou por várias reformas, como a de 1817, com alterações drásticas no trabalho original de Mestre Valentim, como a substituição dos pavilhões quadrangulares pelos octogonais e a retirada das estátuas de Apolo e Mercúrio. Essas informações estão presentes no terceiro romance de Macedo, Os dois amores (1848), pela voz do distinto personagem Anacleto. No primeiro volume da obra Um passeio pelo Rio de Janeiro, que não deixa de ser um registro poético sobre a história e os usos de alguns lugares do Rio de Janeiro e tem servido de consulta para vários estudiosos da história cultural do Brasil Império, encontra-se a voz de um cronista minucioso, que narra com imaginação a origem do Passeio Público, seus usos pela comunidade e as mudanças pelas quais ele passou:
 
Quereis, pois, fazer ideia do que era para o povo do Rio de Janeiro o Passeio Público naquela época, e ainda em outras posteriores, a despeito dos desmazelos dos governos? Perguntai qual foi a origem de Belas Noites, dada à rua que depois muito prosaicamente chamaram das Marrecas.
Aquele nome “rua das Belas Noites” queria dizer que o Passeio Público fizera o povo do Rio de Janeiro gostar pouco a lua nova e aborrecer a minguante.
Por quê? Eis ai todo o segredo desse desamor e desse aborrecimento por aquelas duas fases da lua.
Nas noites brilhantes de luar, dirigiam-se alegremente para o Passeio Público numerosas famílias, galantes ranchos de moças, e por consequência, cobiçosos ranchos de macebos; e todos, depois de passear pelas frescas ruas e pelo ameno e elegante terraço, iam, divididos, em círculos de amigos, sentar-se às mesas de pedra, e debaixo dos tetos de jasmins odoríferos ouviam modinhas apaixonadas, e lundus travessos, cantados ao som da viola e da guitarra, rematando sempre esses divertimentos com excelentes ceias dadas ali mesmo (MACEDO, 2004, p.127-8).
 
O Passeio Público, de acordo com Macedo, era frequentado pelas famílias burguesas, que ali desfrutavam de momentos de descontração e lazer coletivo. Macedo memorialista revive o que foi o Passeio Público no passado e acusa a falta de preservação da memória do brasileiro, que altera seus espaços públicos, trocando-lhes inclusive o nome, sem se preocupar com o sentido simbólico dos mesmos para as gerações passadas, a ser transmitido às gerações futuras.
As crônicas que compõem a obra Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro foram publicadas, inicialmente, em forma de folhetim semanal no Jornal do Commercio e, depois, reunidas em dois volumes publicados em 1862 e 1863. As passagens