Revista Rua


Personagens nas ruas do Rio de Janeiro do século XIX: leitura de A moreninha (1844) e O moço loiro (1845), de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)
Characters in the streets of Rio de Janeiro of the nineteenth century: a reading of A moreninha (1844) and O moço loiro (1845), by Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)

Joelma Santana Siqueira

A passagem acusa a existência de regras para o uso do espaço público da rua à noite pelo escravo, sujeito a represálias por parte do poder constituído. Esta situação, de acordo com Sidney Chalhoub, não dizia respeito apenas ao escravo, mas também ao africano liberto, posto que
 
[...] havia restrições importantes a seus movimentos e atividades, estabelecidas em posturas municipais país afora. Em deslocamentos dentro do município de Salvador, por exemplo, havia postura, de 1859, determinando multa a escravos que estivessem à noite nas ruas sem bilhete assinado pelo proprietário, no qual se declarasse nome do portador, destino da caminhada e local de residência; do mesmo modo, africanos libertos seriam penalizados com multa de 3 mil-réis, ou oito dias de prisão, se fossem encontrados nas ruas à noite sem levar ‘bilhetes de qualquer Cidadão Brazileiro’. Dito doutra forma, um liberto africano nem podia se locomover pela cidade em certas horas sem a proteção de um homem livre, alguém disposto a lhe abonar a conduta por bilhete (CHALHOUB, 2010, p.41).
 
A citação acima explica-nos a preocupação de Augusto sobre a permanência do escravo à noite nas ruas da cidade. A respeito desse tema, Raquel Rolnik, em um artigo intitulado “Territórios negros nas cidades brasileiras (etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro) ”, observou que “o tema empírico do negro nas cidades até agora foi pouco explorado nos textos brasileiros da sociologia do negro ou da sociologia urbana”. Para a autora, a rua era território dos negros, pois
 
[...] a contiguidade dos sobrados nas zonas centrais das cidades contribuía para que fosse intensa a circulação de escravos domésticos: buscando água nos chafarizes, indo ou voltando com a roupa ou os despejos para jogar nos rios, carregando cestas perto dos mercados, transportando objetos de um ponto para outro da cidade[1].
 
O romance A moreninha, que tem como tema, sobretudo, o modo como o namoro era visto pelos jovens estudantes e pelas jovens moças casadoiras da época, faz-nos rir em muitas situações do amor idealizado e apresenta cenas que nos permitem observar a condição do escravo na sociedade brasileira do século XIX. Dois escravos são mais frequentemente focalizados na narrativa: o “bom Rafael” e a ama Paula. Esta última era “muito estimada de todos” da família, principalmente por ser estimada por Carolina. Rafael pertencente a Augusto, e Paula, a Carolina. Augusto e Carolina são os protagonistas do romance. Rafael, mesmo sendo o “querido moleque” de Augusto, o seu faz tudo, é castigado indiscriminadamente por seu dono quando este sofre dores de amor


[1] Ver ROLNIK, Raquel. “Territórios negros nas cidades brasileiras (etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de Janeiro). Disponível em http://raquelrolnik.files.wordpress.com/2013/04/territc3b3rios-negros.pdf Acessado em 27 de jun. de 2013