Revista Rua


Personagens nas ruas do Rio de Janeiro do século XIX: leitura de A moreninha (1844) e O moço loiro (1845), de Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)
Characters in the streets of Rio de Janeiro of the nineteenth century: a reading of A moreninha (1844) and O moço loiro (1845), by Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882)

Joelma Santana Siqueira

empresas arriscadas... tinha parte muito notável no contrabando de africanos” (ML, p.153). Nota-se que o contrabando de escravos, na época em que se passa a narrativa, era proibido por causa do tratado assinado entre Brasil e Inglaterra em 1826 e uma lei promulgada em 7 de novembro de 1831. Como se pode observar, na ficção de Macedo, era muito mais uma “lei para inglês vê”, pois o tráfego permanecia. Na vida real, não era diferente, pois, como escreveu o historiador Boris Fausto (2006, p.194), “os júris locais, controlados pelos grandes proprietários, absolviam os poucos acusados que iam a julgamento”.
Há um personagem jovem, filho de uma família endividada, mas preocupada em manter as aparências, que merece destaque na narrativa. Trata-se de Manduca, um jovem bastante ingênuo, porém, ao pensar em ocupar-se da política, de acordo com o narrador, mostrou em toda sua longa vida ter algum discernimento. Manduca reflete que “a política é para a maior parte um jogo que nunca se perde: quando não se ganha hoje, tem-se um bocadinho de paciência, e amanhã lucra-se por dois dias”. O narrador logo em seguida acrescenta: “ora confessemos que Manduca tinha razão” (ML, p.142). A respeito da política no contexto em questão, Boris Fausto (2006, p.181), observado que as diferenças entre os dois grandes partidos imperiais (o Conservador e o Liberal) são interpretadas de diferentes modos pela historiografia, considerou que devemos ter em conta que, nesse período, “e não só nele”, a política “em boa medida não se fazia para se alcançarem grandes objetivos ideológicos. Chegar ao poder significava obter prestígio e benefícios para si próprio e sua gente”. Manduca percebe desse fato e por isso é elogiado pelo narrador. Há uma ironia na narrativa ao nos fazer pensar que mesmo Manduca, tão ingênuo, foi capaz de interpretar a política de seu tempo. No entanto, alguns pensamentos atribuídos a Manduca parecem muito mais apropriados ao narrador:
 
Aí, apesar das teimosas e desprezíveis discussões das necessidades da província, um homem faz por habilitar-se: tratando-se de um chafariz, enxerta-se um discurso sobre política geral... discutindo-se os melhores meios de esgotamento, vem mesmo a apelo uma alongada dissertação sobre as mais intricadas questões financeiras; e enfim na discussão de uma ponte pode um orador de habilidade entrar pela pasta dos negócios estrangeiros adentro, posto que ande ela quase sempre fechada com o muito cômodo e abençoado selo das questões pendentes (MACEDO, 1981, p.142).
 
A passagem destaca que as discussões sobre as necessidades materiais da província, sobre as melhorias do espaço público da província, consideradas “teimosas e desprezíveis”, são oportunidades para o político se promover por meio de discursos mirabolantes. As reflexões foram atribuídas ao inocente Manduca pelo narrador, mas se