Revista Rua


Cidades de vidro: das galerias de vidro parisienses às galerias das câmeras de vigilância
Glass cities: from the parisian glass galleries to the surveillance cameras galleries

Eliana Monteiro

estivesse lá. (grifo original) (...). A fotografia traumática (incêndios, naufrágios, catástrofes, mortes violentas, colhidas “ao vivo”) é aquela que nada há a dizer. (BARTHES, 1969, p.313)
 
As imagens dos vídeos de vigilância que chegam às telas da televisão parecem se espelhar nas imagens traumáticas descritas por Barthes capazes de colher ao vivo o horror do instante. Uma dessas imagens, por exemplo, foi a do assassinato de um vigia em um posto de gasolina no município de Duque de Caxias, em fevereiro de 2007, quando um policial dispara dois tiros contra o homem que morre na hora. Essas imagens não são, pura e simplesmente, um registro informativo com o qual trabalham as produções dos telejornais, ganham outra dimensão narrativa propiciada pelas câmeras de vigilância: elas tornam-se obscenas[1].
Parte-se do princípio de que estas imagens são potencial e intensamente mais fortes do que aquelas comumente produzidas pelos telejornais, nas quais o instante em que se deu o crime seria reconstituído jornalisticamente através dos vestígios deixados no local e das narrativas das testemunhas. No caso dessas imagens da morte violenta do vigia no posto de gasolina, nada há a dizer. São imagens que rompem, portanto, com os limites visuais com os quais o espectador está habituado. Diante dele, surge a visibilidade total do acontecimento, ao contrário das imagens produzidas nos telejornais, onde havia um tipo de cegueira em relação ao acontecimento. As novas imagens transportam o espectador para um outro campo de visão ao desvendar para ele uma sociedade onde o horror é explícito.
Mais recentemente, imagens de um trágico acidente filmado pelas câmeras de vigilância do Aeroporto de Congonhas em São Paulo ganharam exaustivamente as telas da televisão: um avião que partira de Porto Alegre na tarde do dia 17 de julho de 2007, identificado como vôo 3054, com destino à capital paulista, ao tentar pousar, desliza, em grande velocidade pela pista e, sem conseguir parar, acaba batendo e explodindo sobre um prédio localizado numa avenida próxima ao aeroporto, levando à morte cerca de duzentas pessoas.


[1] Utilizamos aqui o conceito de obscenidade de Braudrillard: “(...) quando se está na obscenidade, não há mais cena, jogo, o distanciamento do olhar se extingue. (...). O que vale para os corpos é igualmente válido para a mediatização de um acontecimento, para a informação. Quando as coisas se tornam demasiadamente reais, quando elas são dadas imediatamente, quando existem como realidade concreta, quando estamos nesse curto-circuito que faz com que as coisas se tornem cada vez mais próximas, estamos na obscenidade (...). Há escaladas na obscenidade: apresentar o corpo nu pode ser já grosseiramente obsceno, mas apresentá-lo descarnado, esfolado, esquelético, o é ainda mais.” BAUDRILLARD, Jean. Senhas. Rio de Janeiro: DIFEL, 2001, p. 29-30.