Revista Rua


Cidade Maravilhosa e Cidade Partida: notas sobre a manipulação de uma cidade deteriorada
Wonderful City and Divided City: Notes on the Management of Spoiled City

Aline Gama de Almeida, Alberto Lopes Najar

do cortiço, apesar de não respeitarem as normas sociais de infraestrutura de habitação, se adaptam a uma lógica própria que possibilita o espaço do trabalho, do lazer e do descanso, que horrorizava as classes mais abastadas. Diante de qualquer ameaça vinda de fora, os moradores do cortiço – a “pequena república” (AZEVEDO, 2000, p.39) – esqueciam as confusões diárias e se uniam contra os inimigos externos, que eram principalmente a polícia, os agentes do governo e os moradores de outros cortiços (CARVALHO, 1989).
“O Cortiço”mostra a habitação popular sob a perspectiva da malandragem. O cortiço do português João Romão, personagem principal, é um organismo que nasce com algumas tábuas roubadas e morre em um incêndio. A história se desenrola com João Romão enriquecendo, sonhando com a ascensão social e explorando os miseráveis, que moram ali e compram em sua venda. De acordo com a análise de Dalcastagne (2001), Aluísio de Azevedo ilustra em seu livro as questões da miscigenação racial e cultural, os preconceitos da época e os diferentes modos de adaptação à vida na cidade.
Tal ilustração é coerente com o pensamento da época. Os médicos, higienistas e sanitaristas, voltavam–se para as condições de salubridade e para a erradicação das doenças. Os projetos de engenheiros e arquitetos pensavam na estruturação da cidade. Os planos políticos tentavam estabelecer a ordem e administrar o espaço público. Os mais diversos tipos de intelectuais estavam preocupados com o espaço urbano carioca, que nada tinha de uma cidade moderna. O entusiasmo para a mudança viria das incursões à Europa. O modelo e a imagem que se queria construir era a da cidade moderna européia, inspirada principalmente na Paris reformada por Haussmann (ABREU, 1987; CARVALHO, 1989e PECHMAN, 1992).
Na segunda metade do século XIX, o Rio de Janeiro, capital federal e principal porto do país, recebeu linhas de bonde e trem que possibilitaram a expansão da malha urbana. A vinda do rei e de toda a coroa de Portugal, em 1808, facilitou o desenvolvimento. A cidade, que passou por sua primeira ocupação de indústrias nos subúrbios, no centro e nos arredores, precisava de mais transformações.
O Rio de Janeiro, como que fundado novamente pela Reforma Passos, tem sua imagem reconstruída expressa tanto em intervenções sobre o espaço urbano, nas paisagens urbanas e naturais para aqueles que passam ou habitam a cidade, quanto pelas imagens metafóricas, produzidas por construções lúdicas, no caso de músicas e literatura, e científicas, pela medicina, engenharia e administração pública. A partir disso, inventa–se a imagem de uma cidade moderna, racional, desenvolvida, organizada