Revista Rua


O Parque do Ibirapuera e o lazer na cidade de São Paulo: da descrição à apropriação
Ibirapuera Park and leisure in the city of São Paulo: a local description and appropriation

Paulo Cezar Nunes Junior

confirmada no espaço pela tranquilidade das temporalidades dos sujeitos que visitam o parque, como observei na Praça da Paz nesse dia. 
Diferentemente de pistas próprias ou outros locais destinados à prática destas modalidades de rua, na marquise do Ibirapuera os usos, tanto pelas bicicletas quanto pelos patins e pelo skate, ocorrem apenas em um vão livre com nenhum equipamento específico para estas práticas, corrimãos, rampas ou pequenas plataformas para saltos. Durante as visitas ao campo, foi observada a utilização de alguns materiais improvisados para manobras específicas: caixas de papelão, garrafas descartáveis, entre outros, exemplificando alguns dos apetrechos utilizados. Em uma das observações, um grupo de patinadores fez um circuito, com graus de dificuldade diferentes, utilizando como obstáculo caixas de papelão, algumas inteiras e outras cortadas. Dispuseram-nas em seis pontos diferentes, e, um por um, tentavam cumprir o circuito, de modo a evitar que o papelão fosse tocado.
Embora possa parecer estranho o porquê deste espaço desprovido de rampas e incrementos para saltos ser tão procurado por parte destes grupos, esta situação se explica pelo fato da marquise ser um ponto de encontro. Este espaço tem notoriedade para estes sujeitos na medida em que conseguem reunir centenas de jovens com suas gírias, seus trejeitos, especificidades próprias de suas turmas e seus bairros. Ainda nas observações feitas em 2008, notei as similaridades das roupas dos ciclistas: o boné virado para trás, a calça larga e as gírias utilizadas. Ao mesmo tempo, um grupo de skatistas faz uma roda ao lado do banco onde eu estava sentado e começam a comer os lanches, o refrigerante de marca econômica e o pacote de biscoitos são quase os mesmos para todos.
Mais que servir de cenário para o treino de gestos técnicos, a marquise congrega um conjunto de performances e interesses em comum que aqui são aglutinados pela forma de vivenciar o lazer e pelo espaço escolhido para praticá-los. Ao mostrar suas manobras, na verdade cada um deles está fazendo o exercício de marcação de territórios, aprendendo não só as técnicas destas práticas, como também as técnicas de pertencimento ao grupo.
O espaço da marquise não é liso (GUATARRI, 1985)[11]. Se a princípio a homogeneidade causada pelo piso de cimento batido, pela simetria das colunas brancas


[11] Na década de 1980 Félix Guatarri criou, juntamente com Gilles Deleuze, o termo “espaço liso”. A expressão enunciava as mudanças espaciais enfrentadas pela nova ordem social da segunda metade do século XX: autoestradas, grandes vazios e espaços amplos sem referências e marcas que pudessem aproximar o sujeito do local vivido. Na mesma década, autores da chamada corrente pós-modernista criariam novas categorias para explicar estas mesmas mudanças. É o caso do “hiperespaço” de Jameson (1991), dos “não lugares” de Augé (1992), e da “contração do espaço” de Harvey (1989).