Revista Rua


O Parque do Ibirapuera e o lazer na cidade de São Paulo: da descrição à apropriação
Ibirapuera Park and leisure in the city of São Paulo: a local description and appropriation

Paulo Cezar Nunes Junior

e pelo teto com luzes igualmente espaçadas dá a aparência uniforme ao lugar, o conjunto composto pelos sujeitos e seus usos reverte esta situação. Cada grupo apresenta especificidades, estratégias e astúcias (CERTEAU, 1994) próprias para ocupar os fixos (SANTOS, 1996), conforme apontam as descrições aqui apresentadas. Os sujeitos elegem determinados lugares na marquise para permanecerem durante o dia. Recostados em alguma coluna, próximos aos playgrounds, ou no corredor mais próximo ao Museu Afro, cada grupo estabelece marcas para os espaços que ocupam: bicicletas deitadas no chão, mochilas encostadas nas paredes, aparelho de som ligado.
Não só há determinados espaços marcados para os grupos como também existem fronteiras para os diferentes estilos e níveis profissionais dos mesmos. O eixo de comunicação entre as três alas (Oca, Museu de Arte Moderna e Museu Afro) é onde as manobras de bike mais arriscadas acontecem, onde se formam os pelotões de bicicletas para empreendimentos em conjunto. Perto dali aparecem os skates e, um pouco mais afastados, os patins. Os praticantes mais amadores, as mulheres e as crianças desenvolvem suas manobras em regiões mais distantes desta área ou em horários de menor pico.
A parede branca na região dos sanitários é literalmente marcada pelo uso das bicicletas e dos skates, como acompanhei nas tentativas de um garoto para a realização de uma manobra. Depois da fase de aceleração, um salto é seguido do contato com a parede para uma posterior aterrisagem, a qual dá origem à aceleração para um novo ciclo. A parede fica toda suja por estas e outras tentativas feitas, substituindo a homogeneidade do branco pelos traços escuros de borracha das rodas de bicicletas e skates. Cada gesto observado é próprio de seu executor, e dota o espaço de determinados usos. Elementos diversos, marcadores de sentido para o espaço que a distanciam de sua condição primeira de espaço liso (GUATARRI, 1985).
No período de seis meses de trabalho de campo foi possível observar inúmeras maneiras de utilização deste espaço: apresentação de orquestra sinfônica, na exposição do Exército Brasileiro no dia 12 de abril; apresentação de coral de idosos durante evento no dia 13 de abril; posto de arrecadação de material reciclável também no dia 13 de abril; postos de vacinação infantil no dia 17 de maio; apresentação de street dance no dia 6 de julho, entre outros. Cada um desses pequenos eventos aconteceu com sujeitos diferentes, de grupos distintos e com intenções próprias. Estas diversidades compõem a marquise com marcas interessantes, dotando-a de urbanidade a partir dos usos feitos desse espaço.