Revista Rua


Ordem e organização: algumas questões sobre razão e silenciamento na cidade
Order and organization: some issues about reason and muting in the city

Fábio Ramos Barbosa Filho

É assim que o Estado inscreve a pertinência técnica do gesto político. Ele atribui a responsabilidade a si (garantida pela noção de representatividade da democracia representativa) e prescreve o ordenamento ao espaço urbano e aos habitantes como resposta à desordem (se há necessidade de ordenar é porque há algo fora do lugar[9]). É bastante interessante pensar no que o documento oficial configura como esse fora do lugar. De maneira bastante panorâmica, podemos perceber que há uma grande lista de questões sociais a serem organizadas por meio da ação técnica/política do Estado. Porém, em nenhuma delas aparece o espaço periférico de modo incisivo.
A fala jurídico-administrativa, ao transformar os fenômenos sociais em normas jurídicas, inscreve os fenômenos num movimento de apagamento da sua historicidade. É assim que se apagam as tensões, constitutivas do real da história, e se configuram as políticas do consenso. Para ilustrar essas questões, e para finalizar o texto, trazemos um recorte do Estatuto da Cidade.
 
Parágrafo único. Para todos os efeitos, esta Lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.
Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais (BRASIL, 2001)
 
            Que nos fizeram pensar nas seguintes paráfrases:
 
(P1) A execução de políticas públicas é regulamentada por leis;
(P2) A regulação (a lei) visa o bem comum;
(P3) A regulação visa a ordenar a cidade;
                  
De forma semelhante (e não poderia ser diferente) vemos uma retomada do art. 182, da Constituição Federal. Aqui, de forma mais ampliada do que na Constituição, temos um entrelaçamento entre a fala técnica e a fala política criando um movimento de indistinção entre ambas.


[9] E quem desordena? Essa perspectiva, tornada visível pelo urbanismo e pelas políticas públicas, trata a tensão como “anormalidade”, “exterioridade” e não enquanto constitutividade. E aí cabe pensar nas noções de social e de história tanto no pensamento urbanístico quanto na fala jurídico-administrativa.