Revista Rua


Ordem e organização: algumas questões sobre razão e silenciamento na cidade
Order and organization: some issues about reason and muting in the city

Fábio Ramos Barbosa Filho

Orlandi (2004), quando trata do fenômeno da (des)organização cotidiana (cf. ORLANDI, 2004), ilustra a noção trazendo o que seria a fala de um secretário da prefeitura municipal de Campinas logo após uma reunião com moradores que reivindicam melhorias nos seus bairros: “Não adianta a gente receber essa gente. Eles falam de tudo e a gente não sabe o que eles estão querendo. Precisava organizar mais essa gente. Senão, eu fico aqui, perdendo meu tempo” (ORLANDI, 2004, p. 66).
Neste recorte nós podemos, a partir da relação entre ordem e organização, compreender uma regularidade que se fará presente nas políticas urbanas de forma geral: as políticas do urbano se assentam no controle do movimento e da quantidade. E aí fazemos novamente a relação entre a escrita urbana (cf. ORLANDI, 2004) enquanto projeto urbanístico e enquanto o conjunto de dizeres no e sobre o espaço urbano, pensando na relação constitutiva entre ambas.
Assim, a organização, o ordenamento, passa do plano urbanístico (plano do urbano) para o plano das relações no urbano. Há de se organizar tudo. Encaixar a fala ordinária no script da fala oficial para que ela faça sentido no interior de um universo semanticamente estável que encontra na fala jurídico-administrativa o seu lugar privilegiado de legitimação. É também na distinção que se estabelece entre cidade (real) e urbano (imaginário)[5] que a tensão entre ordem e organização faz sentido. Orlandi (2007b) afirma que “ordem para nós não é o ordenamento imposto, nem a organização enquanto tal, mas a forma material” (ORLANDI, 2007b, p. 45). E a forma material, enquanto noção basilar da AD, representa justamente essa impossibilidade de pensar numa separação entre forma e conteúdo propondo justamente um atravessamento do histórico, do social e do político na materialidade significante.
Há, nos termos de Orlandi (1999), uma sobredeterminação do discurso do urbano no discurso da cidade. A autora afirma que “a maneira como o urbanista fala sobre a cidade acabou criando categorias que vão substituindo a própria maneira como as pessoas pensam a cidade” (ORLANDI, 1999, p. 9). Acrescentamos a essa determinação da fala do urbanista ao saber urbano ordinário a fala jurídico-administrativa sendo que as duas compõem o que chamamos de saber urbano


[5] É interessante pensar também na reflexão de Silva (2001) a respeito da distinção entre cidade e urbano. Para o filósofo, “enquanto a cidade concentra multidões de cidadãos em limites geográficos mais ou menos precisos e territoriais, o urbano vem de fora para romper os limites físicos da cidade e, de certa forma, desterritorializá-la. O urbano, assim entendido, corresponderia a um efeito imaginário sobre tudo isso que nos afeta e nos concebe para fazer-nos cidadãos do mundo: os meios de comunicação, a internet, os sistemas viários, as ciências, a arte, e, enfim, as tecnologias” (SILVA, 2001, p. X).