Revista Rua


Ordem e organização: algumas questões sobre razão e silenciamento na cidade
Order and organization: some issues about reason and muting in the city

Fábio Ramos Barbosa Filho

Espaço, política e organização
 
Há uma relação histórica entre espaço urbano e política. E isso nos faz pensar na escrita urbana (cf. ORLANDI, 2004) não apenas em termos técnicos, mas em relação às injunções sociais e históricas, atravessadas pelo político, pelo embate de forças numa formação social dada. Acontece, porém, que os modos pelos quais o saber urbano especializado vai tratar o surgimento (e o funcionamento) de um pensamento político direcionado à configuração do espaço urbano tendem a silenciar as condições políticas de sua emergência. Assim, Rolnik (1988), por exemplo, vai afirmar que: “Da necessidade de organização da vida pública na cidade, emerge um poder urbano, autoridade político-administrativa encarregada de sua gestão” (ROLNIK, 1988, p. 20).
O poder político encarregado de gerir o espaço aparece aí como uma decorrência causal de um processo de complexificação da sociedade e do espaço urbano e que insere a emergência das políticas urbanas no que poderíamos chamar de retórica da circularidade, visto que a premissa que legitima a emergência de um poder gestor se justifica a partir da própria necessidade de organizar. Vamos pensar no exemplo acima a partir de algumas paráfrases possíveis:
 
(P1) É necessário organizar a vida pública da cidade;
(P2) É uma autoridade político-administrativa que está encarregada dessa gestão;
(P3) Esse poder público emerge da necessidade de organização;
 
Vemos que os enunciados acima se inscrevem em uma progressão de causalidades que silencia fundamentalmente os motivos da necessidade sociopolítica de organização. A organização, neste caso, é tomada como uma evidência da cidade, e a gestão se torna indispensável.
Mas uma análise histórica mostra que a urbanização e o político se fazem em consonância. Vamos tomar como exemplo o caso francês. De acordo com Michel Foucault (cf. FOUCAULT, 1979), a produção do espaço urbano francês, que se faz juntamente à produção da sociedade industrial a partir do séc. XVIII, requer um mecanismo de regulação que homogeneíze esse espaço que não é mais apenas de consumo, mas também de produção. Essa razão econômica fundamenta uma outra, de cunho político, que sinalizava a crescente tensão entre as classes sociais e que culminou na polarização entre burgueses e proletários na Europa, de forma geral.