Revista Rua


Ordem e organização: algumas questões sobre razão e silenciamento na cidade
Order and organization: some issues about reason and muting in the city

Fábio Ramos Barbosa Filho

Introdução
 
Partindo das pesquisas iniciadas por Eni Orlandi[2] que tomam, no interior da Análise de Discurso (AD), o espaço urbano enquanto fenômeno simbólico – atravessado pelo social, pelo histórico e pelo político – nos interessa um ponto fundamental: qual o lugar da tensão entre ordem e organização no silenciamento das contradições na/da cidade? Onde (e como) está colocado, no discurso sobre o urbano, o que escapa ao ordenamento da cidade? Quais as relações que se estabelecem entre a fala da ciência e a fala jurídico-administrativa?
Para nós, ocupados da (ex)tensão – relação de contradição e assimilação entre os domínios de saber – que envolve as falas sobre o espaço periférico, interessa saber o lugar desse espaço nos discursos do planejamento, da organização, do ordenamento. Partimos da premissa, então, que para compreender as falas sobre o espaço periférico, entendidas como um conjunto de dizeres que se organizam em função de um saber historicamente constituído, convém colocar o discurso sobre o espaço urbano “na relação do dizível com o indizível” (ORLANDI, 2007a, p. 11). O espaço periférico é aquele que escapa ao dizer da organização, o ponto onde as contradições sociais se mostram com toda força. Essa contradição, inserida na instância jurídica e administrativa, vai ser trabalhada de forma a silenciar as tensões possibilitando, assim, a instalação do consenso (cf. ORLANDI, 2010).
Esse consenso que vai ser instalado pela fala jurídico-administrativa, em um movimento de inter-relações com a fala da ciência, joga no cerne das tensões o elemento normativo configurado pela autoridade do Estado[3]. Esse consenso, porém encontra pontos de resistência. Há, no discurso urbano (cf. ORLANDI, 1999; 2002)[4], como já dissemos, algo que escapa ao ordenamento. Não só ao ordenamento do traçado urbanístico, na escrita da cidade, mas também na fala dos moradores, na fala da rua. Assim se coloca a tensão entre os dizeres sobre o espaço urbano, que chamamos aqui de litígio semântico.


[2] Referimo-nos aqui ao conjunto de pesquisas contidas, especialmente, nos livros Cidade dos Sentidos, Cidade Atravessada e Para uma enciclopédia da cidade. As referências dos livros constam ao final do trabalho.
[3] E marcado pela especificidade do dizer jurídico.
[4] Há uma distinção entre discurso urbano e discurso do urbano. Enquanto o primeiro representa o real da cidade, o segundo indica a sobreposição da fala do especialista, do imaginário urbanístico, no imaginário urbano.