Revista Rua


Ordem e organização: algumas questões sobre razão e silenciamento na cidade
Order and organization: some issues about reason and muting in the city

Fábio Ramos Barbosa Filho

Essa crescente tensão, até então marcada pela relação cidade/campo, começa a despontar no seio da própria cidade. As revoltas camponesas do séc. XVII dão lugar às revoltas urbanas do fim do séc. XVIII. A resposta do poder público (político) a essas tensões é a criação de mecanismos urbanísticos que esquadrinhassem a população urbana e que tomassem a produção do espaço da cidade como instrumento de controle da plebe.
A partir da emergência dessas situações o poder político francês, pressionado principalmente pela burguesia, arregimenta uma estratégia de controle urbanístico forjando a necessidade de racionalização do espaço, visando à contenção da plebe. Situada nessa demanda de racionalização do espaço urbano, impulsionada pela tensão entre a plebe proletarizada e a burguesia crescente, a racionalização do espaço encabeçada pela medicina urbana busca na química o amparo científico para legitimar o que chamamos anteriormente de políticas do movimento e da quantidade. O ar era então um elemento potencialmente hostil, sendo a disposição da cidade pensada inteiramente em função da melhor circulação.
Isso leva Foucault a dizer que a medicina urbana não é uma medicina do homem, mas uma medicina das coisas, do ar, da água, dos excrementos, fortemente baseada na relação naturalista organismo/meio.
Michel Foucault apresenta um panorama das relações entre política, ciência e urbanização no séc. XVIII, mas é interessante lembrar que já no séc. XVII, período anterior ao que Françoise Choay (2010) denomina de período pré-urbanístico, Descartes, na segunda parte do seu Discurso do método (cf. DESCARTES, 1996), dissertava a respeito da falta de organização das cidades. Ele dizia:
 
Assim, as antigas cidades, tendo sido no começo apenas aldeias, e se transformando com o tempo em grandes cidades, são comumente tão mal proporcionadas em comparação com as praças regulares que um engenheiro traça à sua vontade, numa planície que, embora considerando os seus edifícios separadamente, neles encontremos amiúde tanta ou mais arte do que naqueles das outras; entretanto, ao vermos como estão dispostos, um grande aqui, um pequeno ali, e como tornam as ruas curvas e desiguais, diríamos que é mais o acaso do que a vontade de alguns homens, usando da razão, que assim os dispôs (DESCARTES, 1996, p. 15-16)
 
É interessante pensar também que nos sécs. XV, XVI, e mais claramente a partir dos sécs. XVII e XVIII, sob o que o pensamento político denominou de Razão de