Revista Rua


A produção dos sentidos da nacionalidade: um estudo sobre práticas discursivas na Primeira República
The production of the nationality senses: a study about discoursive practices in Brazilian First Republic

André Luiz Joanilho, Mariângela Peccioli Galli Joanilho

Esta extensa proposta dá-nos a dimensão da nova percepção do social e da organização política. A eugenia, como meio de aprimorar a raça, é bem diferente da idéia de branqueamento, na virada do século, e casa-se com o renascimento do nacionalismo nos anos dez. Antes de ser uma excrescência da consciência de um determinado povo, o nacionalismo pode ser compreendido como uma tentativa de explicar a realidade e também de idealizá-la. Mas o nacional como discurso tem a sua coerência interna ligada indissoluvelmente aos enunciados, e no nosso caso, parte deste discurso liga-se aos enunciados acerca do indivíduo.
Grosso modo, podemos dizer que o nacionalismo começou a ser revisitado a partir da obra de Affonso Celso, Por que me ufano do meu país. Este texto, voltado especificamente para escolares, foi tomado por muito tempo como fruto de um nacionalismo primário. Porém, ele representa um recrudescimento desse sentimento bem diferente do romantismo de meados do século XIX, apesar de Dante Moreira Leite
considerá-lo “anacrônico, muito mais próximo dos românticos da metade do século XIX do que dos cientistas do início do século XX” (1983, p. 211). Porém, como o próprioautor reconhece, o livro de Affonso Celso, teve vida longa ao influenciar os manuaisdidáticos produzidos até a década de 1970, principalmente, os famigerados livros de“Educação Moral e Cívica”. Essa longevidade liga-se diretamente à pretensacientificidade do texto em questão, pois, como vimos, o romantismo fazia uma leiturasentimental da formação racial, enquanto que Affonso Celso buscava nas teorias raciaisentão correntes a fundamentação do seu nacionalismo. Mas o que nos interessa é queapesar das explicações raciais, o autor encontra espaço para compreender que é possível,a despeito da rigidez da formação racial, educar moralmente os jovens. Aquicorrelacionamos tais intenções com as novas concepções acerca do indivíduo que surgemno meio científico.
Verifica-se que nestas concepções já aparecem os elementos de uma nova individualidade: aquele que é formado pelo ensino, pela educação. Cria-se no indivíduo por meio de um vetor, o sentimento do nacional, ou seja, esse sentimento não é mais fruto de condições mesológicas ou hereditárias, e sim de “inoculações” externas: ensina-se o nacionalismo às crianças, pensando-se em instilar hábitos, formar personalidades. É nesse sentido que “como as doenças não eram mais compreendidas como fenômenos finais, da mesma maneira deviam ser analisadas as raças. A população brasileira era entendida como uma ‘raça em formação’, cujo bom resultado dependia de um aprimoramento biológico” (SCHWARCZ, 1993, p. 232).