Revista Rua


A produção dos sentidos da nacionalidade: um estudo sobre práticas discursivas na Primeira República
The production of the nationality senses: a study about discoursive practices in Brazilian First Republic

André Luiz Joanilho, Mariângela Peccioli Galli Joanilho

quando a bacteriologia se limitava a descobrir os agentes específicos de cada doença, parecia que as novas doutrinas operavam uma revolução absoluta; as antigas noções clínicas, dir-se-ia, iam soçobrar, os fatores etiológicos habitualmente admitidos, hereditariedade, terreno, etc., como que acabariam: os melhores princípios de Hipócrates que pretendia ‘que a doença está em nós’ dever-se-ia substituir o axioma ‘a doença está fora de nós’ [...]. Para a higiene, então, o parasita era tudo e o organismo nada (O ESTADO DE SÃO PAULO, 16/01/1907)
 
Nesse sentido, a intervenção sobre o indivíduo passa das ações exteriores, como a prática da saúde pública, para uma ação individual, ou visando o corpo do indivíduo, como na vacinação obrigatória. De uma torção externa para uma interna. Para o médico, por exemplo, “não basta que [...] conheça a molestia a combater, é indispensável que elle não esqueça que não ha molestias, mas doentes” (O ESTADO DE SÃO PAULO, 04/04/1919).
As teorias raciais aos poucos perdem importância, pois o meio tornou-se um veículo e não causa de doenças, ou da degenerescência racial, podendo até mesmo ser ultrapassado. Tal identificação permite uma rápida passagem, de certo modo, do determinismo do meio, para uma idéia de que o meio pode ser alterado pelo ser, porém, o ser se modifica a partir de uma ação do exterior em sua direção: a vacina é o veículo exemplar desse tipo de ação, tanto que o Instituto Vacinogênico ganhou uma reportagem especial no jornal O Estado de São Paulo, ao completar 25 anos em 20 de agosto de 1917. Nela, além do seu caráter laudatório, nos lembra uma frase de Oswaldo Cruz: “só tem variola quem quer” (O ESTADO DE SÃO PAULO, 20/08/1917).
Novas sensibilidades, novas imagens a respeito dos indivíduos. Assertivas a respeito de moralidade surgem entre jovens médicos recém-formados, através do orador da turma que reclama:
 
medidas que se deviam tomar para combater as mais inculpadas infecções corroedoras da nossa nacionalidade, chamando a nossa attenção para os tres maiores agentes intoxicadores dos nossos patricios, o alcool, o fumo, os falsificadores, pondo em destaque que ‘a mais efficiente das causas do definhamento das nossas populações e da sua vulnerabilidade pelos germes infecciosos, é ser o nosso sertanejo, o nosso caipira, o brasileiro, emfim um eterno faminto, nunca saciado, não sabendo comer como deve, impedido de comer como precisa’ (O ESTADO DE SÃO PAULO, 04/04/1919).