Revista Rua


A periferia de São Paulo: revendo discursos, atualizando o debate
The periphery of São Paulo: resells discourses, updating the debate

Érica Peçanha do Nascimento

Mais um aspecto que merece ser realçado é o papel desempenhado por esses projetos de ação cultural, assim como pelas diferentes organizações autogestionárias periféricas, nesse processo mais geral de reconhecimento de que a periferia, ou a favela, seja também um lugar onde se produz e consome “cultura”. Posto que boa parte dessas iniciativas está articulada em torno não somente de discursos sobre a periferia, mas também sobre o que seria a cultura “autêntica” deste espaço. Embora seja preciso considerar que as noções de periferia e cultura estão sendo constantemente construídas e por isso são passíveis de tensão, negociações e consensos, a ideia de cultura da periferia que vem sendo elaborada nos discursos de diferentes iniciativas periféricas instiga a reflexão sobre uma produção do espaço que substancializa uma formulação de cultura, que ora aparece como sinônimo de produção artística, ora abarcando também práticas cotidianas. De todo modo, a chave mobilizada para representar a periferia se dá por meio da cultura, ou mais frequentemente, por uma produção artística singular.
Magnani (2006) contribui para essa discussão ao sinalizar que, do mesmo modo que o conceito de cultura, no momento em que estava sendo problematizado pelos antropólogos passou a ser adotado pelos atores sociais, a noção de periferia vem sendo assumida no discurso de alguns atores com uma conotação positiva, ressaltando o pertencimento. É neste sentido que este artigo sugere o investimento nas variadas iniciativas culturais de artistas periféricos como recorte analítico estratégico para a problematização da dicotomia centro-periferia, bem como para novas reflexões que busquem articular cultura e política e visem contribuir com a revisão crítica das categorias e modelos de análise forjados nos últimos trinta anos sobre a produção do espaço urbano.
Mas quais serão os rendimentos teóricos que essas experiências culturais nas periferias paulistanas produzem? Atentando para essas iniciativas de artistas alocados em São Paulo, avalio que uma primeira característica a ser notada é a polissemia de termos nativos para nomear cada atuação, que são boas pistas para a investigação acerca das reflexões êmicas sobre cultura e política: são autodefinidos “movimentos” e “grupos culturais”, “projetos socioculturais”, “organizações não-governamentais” e até mesmo “movimentos sociais urbanos”. Evidentemente, relacionado a isso também está uma variedade práticas, princípios e discursos que guarda estreita relação com os contextos sociopolíticos desses estados e dos espaços sociais onde essas iniciativas criaram suas bases de atuação.