Revista Rua


A periferia de São Paulo: revendo discursos, atualizando o debate
The periphery of São Paulo: resells discourses, updating the debate

Érica Peçanha do Nascimento

A cultura da periferia seria, então, a junção do modo de vida, comportamentos coletivos, valores, práticas, linguajares e vestimentas dos membros das classes populares situados nos bairros tidos como periféricos. E dela ainda fazem parte manifestações artísticas específicas, como as expressões do hip hop (break, rap e grafite) e a literatura marginal-periférica, que reproduziriam tal cultura no plano artístico não apenas por retratarem suas singularidades, mas por serem resultados da manipulação dos códigos culturais periféricos (como a linguagem com regras próprias de concordância verbal e uso do plural, as gírias específicas, os neologismos, etc.) (Ibidem, 2006).     
Sob um viés antropológico, essa noção de cultura da periferia pode ser vista como um conjunto de produções simbólicas e materiais que é produzido e reproduzido constantemente, por meio do qual se organizam formas de sociabilidade, modos de sentir e pensar o mundo, valores, identidades, práticas sociais, comportamentos coletivos, etc.; e que caracteriza o estilo de vida dos membros das classes populares que habitam em bairros periféricos[6].
Outra consideração apresentada em meu trabalho de mestrado diz respeito às intervenções pragmáticas dos escritores periféricos que visam estimular a produção, o consumo e a circulação de produtos culturais nas periferias paulistanas. Exemplos disto são o autodenominado movimento cultural 1daSul (“Somos todos um pela dignidade da Zona Sul”), criado por Ferréz em 1999 para promover atividades artísticas e criar bibliotecas comunitárias no distrito do Capão Redondo; e a Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia), idealizada pelos poetas Sérgio Vaz e Marcos Pezão e que tem como principal atrativo a promoção de saraus semanais em um boteco localizado na Zona Sul paulistana. Também merece destaque o Projeto Literatura no Brasil, organizado pelo escritor Sacolinha em 2001, que teve como propósitos iniciais a divulgação da produção literária de escritores periféricos e a promoção da leitura no município de Suzano, na região metropolitana (Ibidem, 2006).
Além dessas referidas iniciativas, é possível assinalar outras intervenções de artistas periféricos que se associaram a uma ideia de cultura da periferia. Tomando


[6] Não se deve ignorar, contudo, que tais elaborações sobre cultura devem ser problematizadas, pois pressupõem um grau de isolamento muito grande dos moradores das periferias urbanas e implicam aspecto valorativo imbricado na defesa de uma cultura periférica autêntica. Mesmo porque as elaborações de discursos e imagens sobre a periferia ou do que seria a sua cultura peculiar não são premissas de sujeitos que relacionam seus produtos artísticos a tal espaço, tampouco são produzidas sem que haja conexões com diferentes classes sociais, inovações tecnológicas ou representantes ligados ao “centro” (geográfico, de produção cultural, de poder político, etc.).