Revista Rua


A periferia de São Paulo: revendo discursos, atualizando o debate
The periphery of São Paulo: resells discourses, updating the debate

Érica Peçanha do Nascimento

periferia, sobretudo quando esta era pensada em relação aos bairros nos quais habitavam as classes médias e altas (BONDUNKI & ROLNIK, 1979). 
Na revisão bibliográfica empreendida por Marques e Bichir (2001), análises sociológicas e urbanísticas produzidas entre 1970 e 1980 podem ser interpretadas a partir da mobilização de mecanismos estruturais ou de natureza econômica, ou ainda, fazendo referência ao comportamento econômico dos agentes. Para estes autores, foram as pesquisas antropológicas e outros estudos direcionados para o nível micro que destoaram dessas orientações em função de terem se debruçado sobre o espaço periférico para investigar os atores, modos de vida, cotidiano, formas de lazer, formulação de identidades, mobilizações coletivas, etc., tais como os trabalhos de Caldeira,1984; Cardoso, 1987; Durham, 1986; e Magnani, 1984.
As pesquisas antropológicas também trouxeram à tona os movimentos sociais populares que emergiam, principalmente, das periferias[1]. Coincidindo com o avanço do autoritarismo na América Latina, diversos estudos de caso estavam sendo realizados com o propósito de entender as reivindicações das classes populares para serem reconhecidas pelo Estado, ou ainda, discutir o papel dos novos atores sociais e suas condições de atuação no espaço público (CARDOSO, 1987). De tal modo, as especificidades do contexto brasileiro – a saber: diferentes formas de desenvolvimento da democracia e da cidadania, heterogeneidade do espaço de mobilização dos atores fora de partidos políticos e sindicatos – produziram investigações sobre movimentos emancipatórios, novas formas de associativismo ou lutas organizadas em torno de reivindicações por creches, transportes, educação, moradia, etc.
Sendo essas as temáticas e debates que circunscreveram as primeiras pesquisas sobre a periferia paulistana, o que será que mudou na abordagem acadêmica sobre este espaço nos últimos anos? Alguns estudos realizados a partir dos anos 1990, como o de Faria (1992) e Marques (2000), indicam que houve ampliação dos serviços públicos, especialmente saneamento e educação básicos, atribuindo-a tanto ao processo de redemocratização e à mudança das burocracias estatais com relação a algumas políticas públicas, quanto à pressão de movimentos sociais populares.
Torres e Oliveira (2001), por exemplo, pontuam que os dados da Pnad-1999 demonstravam que serviços de água, eletricidades e educação fundamental já estavam quase universalizados na Região Metropolitana de São Paulo, mesmo que até hoje ainda


[1] Conforme ressalta Frúgoli Jr. (2005), ao fazer reflexão sobre a literatura que estava sendo produzida nos anos 1980, Eunice Durham demonstrou como a visibilidade que a Antropologia Urbana obteve à época ligava-se à própria projeção na cena política alcançada por movimentos sociais que se organizaram em torno da ampliação de direitos e tornaram-se focos da disciplina.