Revista Rua


Rumores e sabores de uma feira: Culinária popular e cosmopolitismo banal em Cuiabá
The rumours and flavours of a fair: Popular cuisine and banal cosmopolitanism in Cuiabá

Yuji Gushiken, Lawrenberg Advíncula da Silva e Adoniram Judson Almeida de Magalhães

nissei, o prato preparado é estrogonofe, de origem russa e releitura francesa. A família que veio do Sul para Cuiabá prepara kebabs ligados ao imaginário da culinária turca, grega e árabe. Outra cuiabana, a quem sempre perguntam se é baiana, prepara tapiocas nordestinas e escondidinho de mandioca com carne-seca. Na barraca da ponta do semicírculo, um casal frita ventrechas de pacu e prepara mojica de pintado da típica culinária cuiabana, e os serve com arroz branco e pirão de peixe.
Como é característica das culturas populares tradicionais, a invenção desses saberes culinários não é da ordem da autoria. Autoria é um conceito moderno que designa concepção como propriedade intelectual e impõe direitos sobre usos do conhecimento produzido. É próprio dos saberes populares, principalmente quando se trata de saberes folclóricos no espaço urbano, mais propriamente circular no sistema social e permanecer de domínio público. Saberes tradicionais são constituídos e transmitidos enfaticamente pelas redes de solidariedade mecânica: de pais a filhos, mas cujo aprendizado se amplia nas redes de parentesco, de vizinhança, de amizade, num circuito espacialmente circunscrito aos laços simbólicos que sugerem a idéia de uma “comunidade”.
Os saberes populares culinários são epistemes que se propagam na relação típica de mestre e aprendiz: é informal, não remunerada, baseada num imaginário que antecede as relações mercantis típicas do capitalismo. O fato de estarem em seu pleno vitalismo supõe que esses saberes circulam verticalmente, como informações passadas de geração a geração, e também horizontalmente, num circuito de relações comunitárias. A culinária popular, embora seja de domínio público, tem lá seus segredos que incluem distintos modos de preparo da comida. Nos grupos sociais concretos, “aquilo de que o homem se apropria são habilidades necessárias para a vida cotidiana” (HELLER, 1999, p. 70). Mais que autoria como princípio de propriedade e exclusividade, trata-se da noção de assinatura, como afirmação de qualidades e ritmos que demarcam um território (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p, 122-123).
A Boa Esperança, segundo o jornalista Ailton José Segura (2005), é um bairro de “paus-rodados que vieram construir a Amazônia”. Pau-rodado é o apelido dado a imigrantes que chegaram de outras regiões do país a partir da década de 1970 em Cuiabá. Metaforicamente, refere-se a troncos e galhos de árvores que rodam rio abaixo em época de cheia e invariavelmente enroscam-se nas margens. Ao enroscarem-se nas matas ciliares, simplesmente maquinam-se com o ambiente local. E, ao invés de