Revista Rua


Rumores e sabores de uma feira: Culinária popular e cosmopolitismo banal em Cuiabá
The rumours and flavours of a fair: Popular cuisine and banal cosmopolitanism in Cuiabá

Yuji Gushiken, Lawrenberg Advíncula da Silva e Adoniram Judson Almeida de Magalhães

cuiabana: maria-isabel (arroz de sequeiro cozido com carne de sol), galinha com arroz (arroz de sequeiro cozido com pedaços de frango) e farofa de banana (farinha de granulação fina, passada na frigideira ao óleo, margarina ou manteiga, com banana-da-terra o mais madura possível).
Essa combinação pode variar conforme a disponibilidade de matéria-prima na época do ano ou demanda produzida pela clientela, formada por moradores do bairro e também de outras regiões da cidade que se deslocam até lá de automóvel. A ventrecha de pacu, vendida no popular prato-feito, instala no próprio território cuiabano um modo de a cultura tradicional local se fazer presente em meio à diversidade de pratos conhecidos da comida globalizada, de outras regiões brasileiras e de outros países, que fizeram da cidade não lugar de estranhamento, mas espaço de sua existência simbólica e econômica.
A culinária cuiabana – entre outras práticas sociais populares – reflete a constituição histórica de uma cidade que, em seus quase trezentos anos de fundação, agrega povos de várias etnias. Sírios e libaneses, na migração de povos do Oriente pelo planeta, atualizaram em Cuiabá novos modos de sociabilidade (BRANDÃO, 2007). Italianos chegaram na década de 1920 (GOMES, 2005). Japoneses, a partir da década de 1950 (KAWAHARA, 2007). Internamente, nordestinos, fugindo da guerra dos coronéis ou da seca, já estavam presentes desde o início do século XX (BARROSO, 2007). O fluxo de descendentes de europeus e orientais, de modo geral, se deu a partir de 1970, com a alteração estrutural na produção agrícola nacional, que deslocou amplas massas populacionais do Sul e do Sudeste para o Centro-Oeste, tendo Cuiabá como “nó” que liga diversas regiões do país.
Em meio a essa condição multiétnica, a população da cidade produziu ao longo de quase trezentos anos de história um amplo e singular repertório nas práticas culinárias, tendo em seu entorno ambiental a oferta abundante de peixes e frutos da natureza do cerrado e do Pantanal. À oferta da natureza do Oeste brasileiro acrescenta-se a pecuária de corte que coloca Mato Grosso entre os principais produtores de carne bovina do país, com ênfase na criação de gado nelore, e a existência de uma agricultura familiar na região da Baixada Cuiabana, de onde saem produtos relevantes que compõem alguns pratos tidos como exemplares da culinária cuiabana: mandioca e farinha de mandioca, arroz de sequeiro, banana (nanica e da terra, principalmente), e nos dias de hoje uma horticultura em desenvolvimento que fornece temperos variados.