Revista Rua


Rumores e sabores de uma feira: Culinária popular e cosmopolitismo banal em Cuiabá
The rumours and flavours of a fair: Popular cuisine and banal cosmopolitanism in Cuiabá

Yuji Gushiken, Lawrenberg Advíncula da Silva e Adoniram Judson Almeida de Magalhães

Considerações finais
 
O folclore designa o âmbito das manifestações de cunho tradicional, enquanto a noção de cultura popular é definida em termos exclusivos de transformação (ORTIZ, 2006, p. 71). A folkcomunicação, ao relacionar folclore e comunicação (BELTRÃO, 2001), sugere também considerar o processo socioeconômico de transformação do folclore, na medida em que se enreda em outros sistemas de produção de sentido, o que inclui os ambientes eruditos, a mídia de massa e nos últimos anos as práticas da cibercultura. Em outras palavras, a relação entre folclore, cultura popular e folkcomunicação passa pela caracterização performativa do processo modernizador que a tudo transforma, especialmente em sua versão capitalista.
A modernização dos sistemas de comunicação e de transportes permitiu maior circulação de informações, produtos e pessoas no mundo globalizado. É nessa circulação que se produzem os estranhamentos possíveis na vida cotidiana marcada cada vez mais pela convivência com linguagens as mais diversas, povos os mais distintos, saberes os mais variados. A cidade, quando se torna espaço de fluxos (CASTELLS, 1999), tende a aprender a lidar cada vez mais com a alteridade que lhe bate a porta.
Enquanto a Europa se pergunta se é possível conviver com a diferença, tema hoje tão caro a um continente atravessado por fluxos migratórios, no Brasil o mesmo tema tende a fornecer uma variedade de casos em que a convivência pacífica é não apenas experimentada pela população, mas também virtualizada nos processos de transformação urbana. Em Cuiabá, a experiência do estranhamento é histórica na cidade habitada por diversos grupos étnicos, sendo algo da ordem do cotidiano. Na cidade de quase trezentos anos, a própria população, a partir da base étnica nacional – branco-negro-índio – miscigenou-se a partir dos muitos fluxos migratórios, internos e externos, que aportaram na cidade desde o século XIX e ao longo do século XX.
A cidade multiétnica demanda um cosmopolitismo no qual, como se pode pensar com Ulrich Beck, “todos padecem de algum modo um destino de minoria” (BECK, 2005). Na relação entre folkcomunicação e a virtualidade dos diálogos interculturais emerge a semelhança das experiências culturais, ou seja, a experiência comum a todas as diferenças que é a experiência do estranhamento, o estar exposto ao Outro. O estranhamento como o lugar comum da convivência entre as diferenças no cotidiano.