Revista Rua


Construindo ombros fortes: A roupa ressignificando o corpo feminino
Building strong shoulders: how clothes can resignify the female body

Leonardo Perez*, Luzmara Curcino**

Introdução
Tendo em vista o interesse bastante acentuado pelo corpo, como objeto de investigação histórica, nos dias de hoje, assim como objeto dos estudos da linguagem, uma vez que é considerado como signo ou como portador de diversos signos, empreenderemos aqui uma análise de viés discursivo acerca da roupa e da sobreposição simbólica da mesma em relação ao corpo que, por meio dela, é afetado e por ela “fala”.
A vestimenta, que perdeu sua função fundamental de proteção do corpo, passa a representar uma extensão do mesmo, ressignificando-o. Neste trabalho, e considerando essa dimensão simbólica da roupa em relação ao corpo, voltaremos nosso olhar para uma parte específica desse corpo: os ombros que, ao serem encobertos por uma camada de espuma contida no interior de determinadas roupas, as ombreiras, apresentam-se como indício de um uso simbólico do poder há muito explorado e também há muito empregado como um atributo próprio e exclusivo de roupas masculinas.
Para essa discussão sobre o corpo como linguagem e de sua análise de um viés discursivo, o trabalho de Jean-Jacques Courtine é incontornável. Ele “[...] postula [...] a necessidade de alargar o enfoque da AD [uma vez que] o verbo não podia mais ser dissociado do corpo, do rosto, dos gestos e das imagens [...]” (PIOVEZANI, 2009, p.35).
Ao analisar o discurso político, Courtine sente a necessidade de discutir as questões em torno do rosto. O que deveria abranger o período contemporâneo e o campo político acabou gerando um completo estudo sobre “as práticas e representações do rosto” ao longo da história (PIOVEZANI, 2009, p. 35). Em 1988, ele lança em conjunto com Claudine Haroche a História do rosto: Exprimir e calar as suas emoções (do século XVI ao início do século XIX), livro no qual se “insere um princípio antropológico em uma história de longa duração na tentativa de compreender uma ambivalência fundamental em torno da expressividade moderna: a injunção a expressar-se e o dever de controlar a expressão” (PIOVEZANI, 2009, p.36).
Seguindo com seus estudos, Courtine, nos anos 90, volta seu olhar para o corpo. Interesse este que resulta na publicação da obra História do Corpo (2005 e 2006), em três volumes, organizada em conjunto com Alain Courbain e Georges Vigarello.
Ao corpo, a partir das concepções greco-romanas até o final do século XIX, eram relacionadas as noções de pecado e impureza, e o mesmo era concebido separadamente da alma. Já no século XX, passa a ser concebido por sua relação de