Revista Rua


Construindo ombros fortes: A roupa ressignificando o corpo feminino
Building strong shoulders: how clothes can resignify the female body

Leonardo Perez*, Luzmara Curcino**

suas próprias roupas. Para Courtine: “A sociedade democrática apaga os indícios físicos tradicionais, embaralha os velhos códigos da sociedade de ordem, banaliza a postura, mascara as hierarquias.” (COURTINE, 2008, p.341). Esse embaralhamento, banalização e mascaramento talvez se explicasse nesse caso pela divisão de classes dos segmentos a que se dirigem essas revistas: por um lado, a consumidora das roupas prêt-à-porter, por outro, a consumidora que faz suas roupas ou que trabalho para as primeiras.
Ainda nos cabe apontar para uma provável contradição entre os enunciados dos cartazes do movimento feminista e as capas de revistas que, embora pareçam falar a mesma coisa em relação à necessidade de emancipação, de afirmação do poder feminino, de demonstração física desse poder por meio do corpo que a elas pertence, seus enunciados não significam a mesma coisa uma vez que não falam do mesmo lugar. O sentido de liberdade e poder para ambos os lugares de enunciação se distinguem, uma vez que nas revistas o poder está atrelado à sedução do sexo oposto e nos cartazes feministas o poder está relacionado à liberdade da mulher e à igualdade de gêneros.
 
Considerações finais
Através desta breve análise, buscou-se entender a ressignificação do corpo feminino, tido historicamente como frágil e delicado que, para infiltrar-se em um ambiente de predomínio masculino, precisava da atribuição de um novo sentido. Ao fazer uso das ombreiras, o corpo feminino recria-se: uma linha reta e prolongada na altura dos ombros atribui um novo significado para esse corpo, rememorando o formato corporal masculino, a virilidade e, consequentemente, o poder. Essa nova silhueta, se não possibilitou que a mulher se posicionasse de maneira mais efetiva em esferas sociais antes dominadas pelos homens, ao menos sinalizou essa mudança, permitindo às mesmas a autenticação de sua presença nestes lugares. Observamos também a ambiguidade muitas vezes presente na construção dos enunciados das capas das revistas que representaram essa mudança na concepção do corpo feminino, quando em muitas delas é apreensível ainda o atravessamento de discursos contraditórios sobre o papel social da mulher. Elas são livres, se vestem para trabalhar como homens, mas também para seduzi-los. Assim, cabe-nos retomar os questionamentos de Courtine 2008, p.12) ao final de sua introdução para o volume 3 de História do Corpo: “[...] é mais do que nunca necessário interrogar, experimentar o limite do humano: ‘Meu corpo será sempre meu corpo? ’”