Revista Rua


Construindo ombros fortes: A roupa ressignificando o corpo feminino
Building strong shoulders: how clothes can resignify the female body

Leonardo Perez*, Luzmara Curcino**

interação inseparável com o sujeito, ou seja, o interno e o externo, o corpo e a alma, o corpo e a dimensão sensível estão interligados (COURTINE, 2008).
Para Courtine, o século XX “inventou teoricamente o corpo” (COURTINE, 2008, p.7). Essa invenção se deu em três momentos históricos fundamentais: a invenção da psicanálise por Freud ao decifrar a conversão histérica e preconizar o inconsciente como linguagem que “fala através do corpo” (COURTINE, 2008, p.7); a difusão da noção de corpo como pivô principal do mundo, promovendo diversas abordagens filosóficas, da fenomenologia por Maurice Merleau-Ponty ao existencialismo por Jean-Paul Sartre; e, finalmente, a descoberta do corpo no campo da antropologia por Marcel Mauss que, no período da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), “[...] observou a infantaria britânica desfilar num passo diferente do passo dos franceses e cavar buracos de maneira singular” (COURTINE, 2008, p.8). Assim “o corpo foi ligado ao inconsciente, amarrado ao sujeito e inserido nas formas sociais da cultura” (COURTINE, 2008, p.8).
            Mas ainda faltava ao corpo outro obstáculo científico a superar, “a obsessão linguística do estruturalismo” (COURTINE, 2008, p.8), que enterrava “a questão do corpo com a do sujeito e suas ‘ilusões’” (COURTINE, 2008, p.8). Mas as coisas mudaram assim que o corpo começou a desempenhar importante papel nos movimentos individualistas e pela igualdade.
Assim, após esses movimentos,
 
[...] as lutas políticas, as aspirações individuais colocaram o corpo no coração dos debates culturais, transformaram profundamente a sua existência como objeto de pensamento. Ele carrega, desde então, as marcas de gênero, de classe ou de origem, e estas não podem ser mais apagadas. (COURTINE, 2008, p.9)
 
Com base nos estudos desenvolvidos por Courtine a respeito do corpo como objeto de discurso, realizaremos aqui algumas reflexões acerca da moda no vestuário, tendo em vista que o homem superou, em relação à roupa, sua função primaz de proteger o corpo emprestando-lhe outros significados, em seu papel de segunda pele. Segundo Paul Schilder (1980), psiquiatra austríaco que desenvolveu estudos a respeito da imagem corporal, “as roupas fazem parte do esquema corporal, ganham o mesmo sentido das partes do corpo e podem ter o mesmo significado simbólico destas” (SCHILDER, 1980, p.177).
Visamos, portanto, neste breve artigo, discutir a função simbólica dessa roupa que se agrega ao corpo e produz significados para o mesmo e em conjunto com ele.