Revista Rua


"Pra tá aqui tem que montar, desmontar e carregar". Mobilidade, território e cotidiano do trabalho na feira de artesanato da Avenida Beira-mar, Fortaleza (CE)
"To be here one has to assemble, to disassemble and to carry": Mobility, territory and labor quotidian in the craft fair, on Beira-mar Avenue, Fortaleza (CE)

Luiz Antonio Araújo Gonçalves

A mobilidade aqui adquire relevância maior do que no passado para esses trabalhadores e passa a ser uma característica particular para o calçadão em que tudo é suscetível ao movimento. Jacques Lévy (2001, p.1) define mobilidade “[...] como a relação social ligada à mudança de lugar, isto é, como o conjunto de modalidades pelas quais os membros de uma sociedade tratam da possibilidade de eles próprios ou outros ocuparem sucessivamente vários lugares”. Aqui mobilidade não está restrita ao mero deslocamento, mas sim como relação social que envolve o capital social disponível, sem esquecermos as determinações postas ao indivíduo no espaço urbano. A mobilidade está ligada, assim, às possibilidades e à competência de mobilidade que o indivíduo desenvolve no espaço urbano.
            Desse modo, para o vendedor ambulante, ora a mobilidade é uma condição positiva, tendo em vista conseguir alcançar outros públicos e, assim, auferir maior renda, ora é uma imposição e condição sine qua non para se manter no calçadão, tornando-se, com efeito, uma condição negativa, haja vista que a fiscalização não permite o ambulante se manter parado em determinado ponto.
Para os feirantes o vendedor ambulante pode ser considerado um “invasor”, que ameaça o seu território, suas vendas. Já o turista, ou seja, o “estrangeiro”, é bem recebido em função do interesse do feirante em comercializar seus produtos. Mesmo diante de turistas de outros países, as barreiras do uso da língua são quebradas por outros recursos, como o uso de um aparelho celular para informar o preço da mercadoria.
As formas de tratamento, desse modo, ressaltam essa receptividade, tão propalada como traço característico do cearense: “Boa noite, cliente, posso ajudar?” ou “Pois não, moça, fique à vontade”, situação esta que corrobora a asserção de Márcio Piñon de Oliveira (2007, p.175) de que o cidadão é “[...] aquele que pode participar como consumidor e usuário da cidade; o que não pode [encontra-se] cada vez mais, à margem dela”.
Pode-se afirmar, ainda, que o vendedor ambulante é o “vagabundo”, na acepção metafórica de Zygmunt Bauman[2], que, assim como tantos outros trabalhadores da Beira-Mar, foram sujeitados historicamente a prestar serviços aos “turistas”. Desse modo, “[...] se estão em movimento é porque foram impelidos por trás” (Bauman, 1998, p. 117). Sua liberdade difere da liberdade do turista, sendo um misto de consciência dos limites da atividade ambulante no calçadão e de ruptura da estrutura imposta pelo Poder Público.


[2] As figuras do turista e do vagabundo aqui enfocadas remetem à metáfora de Bauman (1998, p. 118). Para esse autor “[...] uma pessoa pode ser (e frequentemente o é) um turista ou um vagabundo sem jamais viajar fisicamente para longe”.