Revista Rua


A Construção das representações identitárias: o brasileiro clandestino deportado

Marcos Barbai

criminosa::: e tu não é uma criminosa::: tu é trabalhadora. No fio do discurso o sujeito se vê pelo inverso de si mesmo, luta e resiste contra os modos de ser significado e inscrito no mundo.
Isso é notável ainda em (4)“que:: todas as pessoas de imigração lá::: pessoas trabalhadoras::: sendo presa::: igual no mesmo: junto::.. com outros criminosos:::...”
Neste recorte o sujeito se vê e se experimenta como um imigrante trabalhador, uma pessoa que tem uma atividade. Ele luta contra os traços de sua determinação: ele está na prisão e, portanto, o lugar o faz um criminoso. A sintaxe nesta formulação é interessante, pois há todo um procedimento de articulação do dizer tentando desestabilizar o insuportável: o imigrante é um criminoso.
 
Recorte [2]
 
 Com este fragmento sublinhamos toda uma ambigüidade que se estabelece em torno da pessoa da enunciação:
 
S2: POXA! Você tá longe de seu país:: você tá num país pra trabalhar::: né? ce não tá fazendo nada de errado::: MAS você há de convir que na verdade::: EU estava errado:: né verdade? Porque se eu tava com o visto vencido eu estava errado:::
 
O sujeito fala de si mesmo tomando-se como uma outra pessoa, ‘você’. Essa modalidade de enunciação permite que ele se confronte consigo mesmo, com os sentidos que estabelecem sua posição no mundo. Entretanto, a presença do outro a faz também. Podemos ver nessa formulação a ambigüidade em torno do ‘você’: ‘MAS você de convir que na verdade::: EU estava errado::’ em que o ‘você’ é o inverso de si mesmo, ‘eu’; e o ‘você’ é o inverso de ‘mim-eu’, o outro. O sujeito se mobiliza de uma maneira a se sustentar como trabalhador, uma pessoa que nada fez de errado, mas no fio do discurso essa posição se denuncia ela mesma, pela ambigüidade em torno da referência à pessoa da enunciação. Confrontando-se consigo mesmo o sujeito se rende ao sentido de sua posição ilegal no mundo: ‘se eu tava com o visto vencido eu estava errado’.