Revista Rua


A Construção das representações identitárias: o brasileiro clandestino deportado

Marcos Barbai

Em (1) o sujeito enunciador se vê confrontado consigo mesmo por conta da expulsão. A memória atualiza a experimentação do inverso de sua imagem: há um jogo do eu sobre si mesmo. A negação (eu não quero passar – marca de refutação) e a expressão condicional (pretendo ficar no Brasil – o dizer que pode e não pode ser efetuado) inscreve esse funcionamento. É preciso dizer aqui que não é o poder das expressões de linguagem que estabelecem o jogo de confrontação. Este é produzido pelo processo de interpelação-identificação. O acontecimento engendra a confrontação em dois tempos: no primeiro tempo é preciso, pela recusa, apagar qualquer possibilidade de sofrer esta experiência uma outra vez e, portanto, ser inscrito nesse lugar significante; no segundo tempo a refutação desliza para o tempo da condição e o sujeito pode permanecer ou não no Brasil.
 
Em (2) é importante sublinhar os efeitos do mecanismo de ‘mise en scène’ na enunciação. Ao inscrever pelo impessoal (uma marca que designa a generalização e a constituição de um conjunto), o sentimento de humilhação irrompe, como um lugar de subjetivação. Nos jogos enunciativos o impessoal se inscreve e o sujeito se toma por um outro sem nenhuma particularidade individual. De fato, ele se defende da imagem desfavorável que o sentimento de humilhação lhe dá, lhe confere.
Esse sentimento, materializado pela voz - “Uma:: HUMILHAÇÃO:::.. ” -, queima e marca o corpo. A humilhação, enquanto uma tecnologia política, agride, fere, ultraja fazendo o humilhado viver uma experiência de impotência. Ser humilhado, diz Ansart (2006131), é “être attaqué dans son intériorité, blessé dans son amour-propre, dévalue dans l’image que l’on fait de soi-même, n’être pas respect[4]”.
                Em (3) nós podemos apreender pela formulação a inversão entre o ‘eu’ e o ‘tu’, em que o ‘eu’ se toma por ‘tu’. Esse efeito (e nós pensamos aqui que ele é fruto de um mecanismo do oral) faz com que o sujeito se tome por outro e se confronte consigo mesmo. Nós observamos aqui uma escritura de si, pois há múltiplas filiações que produzem um jogo identitário em torno e contra si mesmo. É interessante nesta formulação a temporalidade, ou seja, o presente e sua negação: tu é PRESO::: é como se fosse uma


[4] “Ser atacado na sua interioridade, ferido no seu amor-próprio, desvalorizado na imagem que a gente faz de si mesmo, não ser respeitado”.