Revista Rua


A Construção das representações identitárias: o brasileiro clandestino deportado

Marcos Barbai

Os procedimentos do Estado para banir os estrangeiros irregulares de suas fronteiras é algo descrito e inscrito nas esferas constitucionais. Banir o outro do espaço (espaço simbólico que tem sua materialidade e formas específicas de significar[1]) é um modo de instalar uma fratura no corpo, já que o corpo dos sujeitos e o corpo da cidade formam um só (cf. Orlandi, 2004: 11). Estamos, fundamentalmente, frente ao fenômeno de desenraizamento, isto é, a descontinuidade do estado de pertencer.
Há processos promovidos pelo Estado que instauram fronteiras (linhas de demarcação) e o direito de estar dentro delas e/ou atravessá-las e os mecanismos para permanência ou travessia. Via de regra, é preciso o documento de identidade para estar legitimamente no Estado, e um passaporte para atravessar as fronteiras entre Estados.  
Essas regras nos permitem observar que a deportação (e acrescentamos, aqui, a expulsão e a extradição) são três designações que, de qualquer maneira, determinam o envio do estrangeiro para fora das fronteiras do Estado estrangeiro em que ele se encontra. Há um trabalho do político, nas relações de força na linguagem, na construção de diferenciar o que no fundo constitui a mesma ação: banir o outro do espaço.
Ser migrante é ser habitado por uma cicatriz nesse processo de individualização da identidade pelo Estado. O migrante é o sujeito da contradição, pois ele vive limites em sua própria identidade, existindo em uma corda bamba: no caráter provisório e no caráter permanente (cf. Sayad, 1998). Ao adentrar em um território outro ele vive em caráter provisório, pois é isso que lhe dá o direito de estar ali. O caráter permanente lhe dá uma existência no contínuo da vida do lugar, permitindo-lhe partilhar, com ele mesmo e com o outro, um sentimento de seguridade, de pertencimento ao contínuo do lugar.
No entanto, é-se sempre provisório. Há ainda aqueles que não podem e não devem pertencer a lugar nenhum. Habitam entre-lugares e um não-lugar. Trata-se do imigrante clandestino. Assim, é nosso objetivo refletir sobre os modos de identificação do migrante brasileiro clandestino a falar de si, acolhendo um devir identitário que se dá em uma situação particular: ao adentrar em um território outro e se estabelecer lá clandestinamente, ele retorna à fronteira do Brasil via deportação.


[1] Entre as formas da cidade se significar chamaríamos a atenção para a quantidade de pessoas, o movimento das pessoas, o agrupamento das pessoas, etc.