Revista Rua


A Construção das representações identitárias: o brasileiro clandestino deportado

Marcos Barbai

Realizamos, nas dependências do Aeroporto Internacional de São Paulo (Guarulhos), vinte e cinco entrevistas com brasileiros deportados de vários países: Estados Unidos da América, França, Bélgica, Inglaterra, Itália, Espanha e Japão. Falar como deportado significa e é isso que dá corpo (corpus) ao nosso trabalho[2]. A voz em corpo e o corpo exibido ao poder.
 
O estranho
 
As três instâncias de controle de fronteiras (reprimir, deter e encarcerar) inscreve o imigrante clandestino no grupo dos indesejáveis, dos anormais. As pessoas estranhas foram designadas por Foucault (1997) como um tipo de monstro humano. O autor destaca que o monstro não é apenas constituído na sua exceção com relação à forma da espécie. Ele se estabelece, também, na“perturbação que traz às regularidades jurídicas”, pois “O monstro humano combina o impossível e o interdito” (id.: 61).
Quando o imigrante permanece clandestino em um país ele não somente infringiu as leis, mas tornou-se um problema de natureza, isto é, ele não é um ser natural, nascido naquele território. Um corpo estranho, um corpo monstruoso: esse é um lugar de funcionamento do sujeito imigrante clandestino. Para relembrar uma expressão de Kristeva (1998: 102), o estrangeiro é aquele capaz de suscitar animosidade e irritação: ‘O que você está fazendo aqui?’, ‘Aqui não é o seu lugar!’
Ele rompeu a ordem, esfacelou esse meio regular e estável para os nossos atos. Bauman (1998: 37) diz que o que faz certas pessoas estranhas, e por conta disso, irritantes, enervantes, desconcertantes e, sob outros aspectos, ‘um problema’ é sua tendência a obscurecer e eclipsar as linhas de fronteira que devem ser claramente vistas.
Desse modo, partimos da idéia de que a deportação, um instrumento político do Estado, funciona como uma tecnologia de visibilidade de si, uma obrigação de mostrar aquele que está apagado no espaço. Essa visibilidade torna o corpo algo legítimo e útil, inscrevendo a dor e a impotência, trazendo ainda mais luz para as fronteiras que devem ser vistas. 


[2] Desenvolvemos uma pesquisa de doutoramento, em curso, orientada pela Professora Dra Eni Puccinelli Orlandi e que conta com o financiamento da Fapesp (processo: 04/07881-3).