Revista Rua


A Construção das representações identitárias: o brasileiro clandestino deportado

Marcos Barbai

 

O trabalho com relatos permite observar o devir humano que é contado, os processos de identificação do sujeito pela manutenção do eu. Como se diz e se conta, como se vê e é visto, enfim, quais são as modalidades de existência desse brasileiro que deixa o país, submetendo-se muitas vezes a perigosa travessia de fronteiras, sustentada por redes de tráfico humano?
 
Identificações
 
Diferente de comparação, de intersubjetividade - uma ilusão desencadeada pela identificação imaginária que conduz a uma projeção em relação ao lugar do outro -, as identificações convidam à liberdade.
Aprendemos isso com Lacan no seminário 3, As Psicoses[3]. Lá ele diz: ‘não há comparação e sim identificação’. Isso se dá, pois a comparação convida a uma experimentação do lugar do outro, podendo se recusar ou aceitar a realidade em que o outro está concernido. O outro aqui é o espelho no qual a imagem se constitui. Ele é um limite em que cada um se contrasta. Romper esse limite exige abrir mão da comparação.
O devir identitário é concebido por nós funcionando, em uma primeira instância, pelos mecanismos de mise en scène (efeito de presença do próprio sujeito – cf. Pêcheux, 1988) e de fiction du soi (aquilo que faz do sujeito narrado um sujeito fictício: a escritura de um efeito sujeito – cf. Robin, 1997).
Esse efeito de presença do sujeito, em uma cena, está sempre marcado por uma dada situação. Ela desencadeia o mecanismo de antecipação, já que todo sujeito tem a


[3] Trazemos aqui a psicose por conta de seu funcionamento, isto é, um processo que designa um estilhaçamento da ‘realidade’ O seminário 3 é dedicado à questão da psicose e aos efeitos decorrentes da foraclusão do nome-do-pai são aí pontuados. Analisando as Memórias de um neuropata, de Daniel-Paul Schreber, que expunham o sistema delirante de um homem perseguido por Deus, - este se dirigia a ele numa ‘língua dos nervos’, uma ‘língua fundamental’, e confiava-lhe a missão salvadora de transformar-se em mulher para engendrar uma nova raça sobre os escombros da humanidade apodrecida, Lacan desloca a significação da paranóia em Freud (centrada numa defesa contra a homossexualidade) situando-a sob a dependência estrutural da função paterna. Ruodinesco (1994, p. 296) diz que a leitura de Lacan sobre o caso Schreber pode ser assim descrita: “o nome D. G. M. Schreber, isto é, a função de significante primordial encarnada pelo pai através das teorias educativas que pretendem reformar a natureza humana, havia sido rejeitado (foracluído) do universo simbólico do filho e retornava no real delirante do discurso do narrador. Por essa fórmula abstrata e sofisticada, Lacan resolvia com gênio o problema que se havia colocado antes dele todos os comentadores das memórias de um neuropata, inclusive Freud. Todos haviam notado o vínculo existente entre o sistema educativo do pai e o delírio do filho, mas Lacan era o primeiro a teorizá-la e a precisar seu funcionamento no delírio autobiográfico de um narrador louco”.