Revista Rua


Do silêncio angustiante aos sentidos desviantes: Subversão discursiva na microesfera do exercício de poder
(Of the silent distressing to the senses deviant: Discursive subversion in the microsphere of the exercise of power)

Camila Targino e Souza, Cristina Teixeira Vieira de Melo

determinantes de sua classe social, lembramos que, embora a ideologia do colonialismo tenha apregoado a cor da pele, a discriminação étnica como critério de divisão das classes sociais, sustentando a concepção de uma “raça” puramente branca, é a mestiçagem a realidade da formação social do Brasil Império.
 
Seguiam-se aos ‘filhos do reino’ os descendentes de europeus estabelecidos no Brasil. Os brasileiros natos. Os brancos da terra. Situação que não era peculiar ao Maranhão, mas comum às várias sub-regiões do Brasil onde, ao lado do sistema patriarcal, agrário ou mesmo pastoril, inteiramente rural ou misto de rural e urbano, desenvolvera-se, às vezes quase como outro sistema, e sistema rival do dominante, a miscigenação. Aos brancos da terra, seguiam-se os mulatos e mestiços. Mestiços às vezes quase brancos ou ‘semibrancos’ como eram às vezes chamados. (FREYRE, 2003: 777).
 
Essa fotografia explicita o processo de miscigenação colocando em jogo várias formações imaginárias em conflito, entre eles: o de mestiça imaginada como sinhá ocupa o lugar discursivo da desobediência ao marido, o de sinhá imaginada como ama-de-leite ocupa o lugar da abolicionista. A esta altura deve estar claro que a nossa questão passa ao largo da vontade de se afirmar ou negar ser ou não esta jovem senhora uma sinhá. Para além do papel social “real”[16] dessa mulher, percebemos que ela ocupou, através de formações imaginárias, o lugar da mulher branca, dona do sobrado, burguesa, mãe de família. Mas esta cena foi representada por um caminho diverso do esperado. Isso porque, se a tecnologia do albúmen sonhou com a verossimilhança do real em sua imagem, nesta representação em específico não o fez dentro da lógica do espelhamento. Antes, representou um reverso da história “oficial”, conseguiu inverter discursos ainda em dominância no século XIX. O albúmen, apesar do discurso racionalista da sua técnica, produz uma historiografia às avessas e nas brechas da produção do fotossensível oitocentista, dobra sentidos antigos, quase cristalizados. A imagem impressa em albumina pode – na prática da técnica, e opondo-se à promessa de seu próprio discurso – “(...) se apoderar por violência ou sub-repção, de um sistema de


[16] Para a Análise de Discurso de linha francesa, os sujeitos não acessam o “real” de maneira direta, antes são submetidos por processos ideológicos e inconscientes. A idéia de traços característico-objetivos, sempre ligados às funções sociais exercidas pelos sujeitos não seriam, nessa perspectiva, uma escolha consciente. Sobre essa problemática, Pêcheux fala: “Enfim, e, sobretudo, o esboço (incerto e incompleto) de uma teoria não-subjetiva da subjetividade, que designa os processos de ‘imposição/dissimulação’ que constituem o sujeito, ‘situando-o’ (significando para ele o que ele é) e, ao mesmo tempo, dissimulando para ele essa ‘situação’ (esse assujeitamento) pela ilusão de autonomia constitutiva do sujeito (...)”. (PÊCHEUX, 1997: 133).