Revista Rua


Do silêncio angustiante aos sentidos desviantes: Subversão discursiva na microesfera do exercício de poder
(Of the silent distressing to the senses deviant: Discursive subversion in the microsphere of the exercise of power)

Camila Targino e Souza, Cristina Teixeira Vieira de Melo

resíduo e sem opacidade no interior da representação do signo. (FOUCAULT, 2002: 89).
 
A inter-relação entre o plano do discurso e a estética do artefato – com a sua baixa granulação, os detalhes finamente representados, aliados a um contraste encorpado – lançou a albumina no âmbito dos discursos da episteme do signo binário, nos caminhos da “representação reduplicada”, típica do século XVII (cf. FOUCAULT, 2002: 87). Todo o discurso da albumina, como ligante transparente, também foi amplamente vinculado à idéia de uma transposição precisa do real para a cópia fotográfica.
 
A FORMAÇÃO DISCURSIVA E SUAS CONTRADIÇÕES
 
Para falar da posição discursiva[12] que esta mulher branca e urbana ocupa nessa imagem é necessário não apenas situá-la como uma dama branca do sobrado, mas relacioná-la com seus vários outros, como, por exemplo, a mulher negra escrava e o homem branco burguês. É isso o que fazemos a seguir.
O dia-a-dia das jovens e das senhoras das cidades era diferente da imagem das mulheres enfatiotadas estampada nos cartões de visita. Embora Gilberto Freyre (2003: 226) fale a respeito dos bailes, das idas ao teatro, da leitura dos romances, de uma menor devoção religiosa em relação às matronas dos engenhos, das aulas de francês e dos passeios de fim de tarde, nas ruas da cidade, o cotidiano das mulheres dos sobrados não se diferenciava substancialmente do cotidiano das mulheres dos engenhos. Freyre usa a expressão “beleza mórbida” para descrever a situação social da mulher no Brasil do século XIX. Ele destaca a aparência pálida, tísica e com muitos problemas de pele das mulheres, o uso de roupas quentes, como o veludo, e a presença exagerada de enfeites como rendas, fitas, plumas e ouro. Os jornais da mesma época também falam


[12] Quando Michel Pêcheux concebeu sua idéia de posições do sujeito no discurso, articulou-a à noção de efeito-sujeito. De maneira geral, o efeito-sujeito remete ao “reconhecimento mútuo entre os sujeitos (empíricos) e o Sujeito (ideológico)” explicitado na obra de Louis Althusser, especificamente em Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. Pêcheux precisa: um sujeito que “se esqueceu das determinações que o constituem como tal. (...) O que precede nos permite dizer que a noção de ‘ato de linguagem’ traduz, de fato, o desconhecimento da determinação do sujeito no discurso. Permite, ainda, dizer que, na verdade, a tomada de posição não é de modo algum concebível como um ‘ato originário’ do sujeito-falante: ela deve, ao contrário, ser compreendida como o efeito, na forma-sujeito, da determinação do interdiscurso como discurso-transverso, isto é, o efeito da ‘exterioridade’ do real ideológico-discursivo, na medida em que ela ‘se volta sobre si mesma’ para se atravessar.”. (PÊCHEUX, 1997: 170).