Revista Rua


Do silêncio angustiante aos sentidos desviantes: Subversão discursiva na microesfera do exercício de poder
(Of the silent distressing to the senses deviant: Discursive subversion in the microsphere of the exercise of power)

Camila Targino e Souza, Cristina Teixeira Vieira de Melo

dos discursos dominantes, a tensa relação entre a casa-grande e a senzala. Ao se apoderar da cena da ama-de-leite clássica, já bastante sedimentada na práxis social e nas representações iconográficas, essa fotografia torna possível reverter todo um dito institucionalizado pela história “oficial”, deslocando-se do lócus discursivo tradicional dos saberes dominados:
 
O grande jogo da história será de quem se apoderar das regras, de quem se disfarçar para pervertê-las, utilizá-las ao inverso e voltá-las contra aqueles que as tinham imposto; de quem, se introduzindo no aparelho complexo, o fizer funcionar de tal modo que os dominadores encontrar-se-ão dominados por suas próprias regras. (FOUCAULT, 2006: 26).
 
TÉCNICA, DISCURSO E SENTIDO
 
Além de uma interpretação de teor mais histórico e sociológico, defendemos que a análise discursiva de fotografias deve levar em consideração a própria materialidade do suporte onde a representação toma corpo. Desprezar os recursos de produção de sentido específicos da materialidade não-verbal da fotografia pode apagar detalhes importantes da análise que, de antemão, deve buscar articular entre si vários elementos: processos físicos de obtenção de imagens através das câmeras, características dos reagentes químicos utilizados para obtenção das imagens, resultados estéticos dos enquadramentos – a exemplo da visualidade da fotografia em seus aspectos de contraste e tonalização –, tudo posto em relação à episteme da época em que a fotografia foi produzida. São esses saberes que compõem o jogo complexo da análise das imagens fotossensíveis.
No caso da fotografia em foco, a tecnologia empregada para impressão da imagem foi, ao que tudo indica, a albumina[9]. Partindo dessa hipótese, para que essa fotografia positivada tomasse corpo foi necessário que uma matriz tivesse sido confeccionada anteriormente. O negativo – como suporte que possibilita a impressão desse positivo –, muito provavelmente, foi realizado na tecnologia do colódio úmido[10].


[9] Uma das especializações no campo da conservação do patrimônio fotográfico é a identificação das superfícies fotossensíveis do século XIX. Muitas vezes nos aproximamos bastante da nomenclatura das técnicas, outras tantas, conseguimos discernir com uma maior certeza. De qualquer forma, entendemos que essa dificuldade nos mostra, ao mesmo tempo, nossa vontade e a impossibilidade de darmos conta da totalidade de um objeto. As representações quase sempre nos escapam.
[10]O negativo em colódio úmido foi realizado em um suporte de vidro impregnado por uma emulsão de nitrato de prata estendido no ligante colódio (nitrato de celulose diluído em éter). Esse tipo de negativo favoreceu a confecção de vários tipos de papéis fotográficos para positivo em parte do século XIX.