Revista Rua


Do silêncio angustiante aos sentidos desviantes: Subversão discursiva na microesfera do exercício de poder
(Of the silent distressing to the senses deviant: Discursive subversion in the microsphere of the exercise of power)

Camila Targino e Souza, Cristina Teixeira Vieira de Melo

regras que não tem em si significação essencial, e lhe impor uma direção, dobrá-lo a uma nova vontade, fazê-lo entrar em um outro jogo e submetê-lo a novas regras...”. (FOUCAULT, 2002: 26).
Negligenciada pelos trabalhos teóricos sobre a fotografia oitocentista no Brasil, silenciada por entre os inúmeros cartões de visita da Francisco Rodrigues, essa imagem abre uma fenda nos discursos sobre colonialismo. Subverte o lugar da ama-de-leite, o lugar da submissão feminina e o lugar da criança histórica[17], chamando atenção para uma contradição incontornável e concedendo aos processos discursivos novas possibilidades de sentido. 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
 
ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de estado. Lisboa: Editora Presença/Martins Fontes, 1980.
ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro-RJ: Editora Livros Técnicos e Científicos, 1981.
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. São Paulo-SP: Editora Martins Fontes, 2002.
__________. Genealogia e poder. In: Microfísica do poder. São Paulo-SP: Editora Graal, 2006, p.15-39.
FREYRE, G. Sobrados e mucambos. São Paulo-SP: Editora Global, 2003.
FRIZOT, M. Automated drawing: the truthfulness of the calotype. In: A New History of Photography. Milão: Könemann, 1998.
PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. São Paulo-SP: Editora da Unicamp, 1993.
REILLY, J. The albumen & salted paper book: the history and practice of photographic printing, 1840 -1895.  Rochester: Light Impressions Corporation, 1980.
SILVA, F. Freyre & FOUCAULT: Casa-grande e senzala como microfísica do poder. In: Revista de história e estudos culturais n. 3. Uberlândia-MG: Universidade Federal de Uberlândia, 2006.


[17] Philippe Ariès(1981: 26) discorre sobre as primeiras formas de representar a criança na saída do Renascimento para o início do Barroco. O historiador fala em uma retomada do Eros helenístico agora chamado pelos italianos de putto. Essa figuração poderia ser a de um anjinho semipagão, totalmente nu ou com um delicado véu ou nuvens para esconder a nudez, sobretudo no período pós-tridentino. Nas palavras de Ariès: “a criança medieval, criança sagrada ou alegoria da alma, ou ser angélico, o putto nunca foi uma criança real, histórica, nem mesmo no século XV, nem no XVI. Este fato é notável, pois o tema do putto nasceu e se desenvolveu ao mesmo tempo em que o retrato da criança. Mas as crianças dos retratos dos séculos XV e XVI não são nunca ou quase nunca crianças nuas. Não se imaginava a criança histórica, mesmo muito pequena, com a nudez da criança mitológica e ornamental, e essa distinção persistiu durante muito tempo”. (ARIÈS, 1981: 26). A partir dessas considerações, podemos afirmar que o anjo que compõe o cenário do jardim presente na fotografia em análise também mantém uma relação imaginária bastante rica com a criança histórica sentada no colo da mulher.