Revista Rua


Do silêncio angustiante aos sentidos desviantes: Subversão discursiva na microesfera do exercício de poder
(Of the silent distressing to the senses deviant: Discursive subversion in the microsphere of the exercise of power)

Camila Targino e Souza, Cristina Teixeira Vieira de Melo

de ungüentos, ‘águas’ ou ‘leites’ para brotoejas, assaduras, irritações da pele de mulher. Muitas dessas irritações de pele deviam resultar do uso imoderado, pela gente mais sofisticada dos sobrados, de panos, chapéus, meias, roupas de dentro, de fabrico europeu e para uso de europeus, em condições de clima das quais só no extremo sul do Reino ou do Império as condições brasileiras se aproximavam. (cf. FREYRE, 2003: 221).
A descrição do cotidiano feminino não é nada animadora. A rua e a praça eram um convite válido apenas para as mulheres negras. Para as brancas, senhoras do sobrado, restava, no máximo, a janela para olhar a rua. O recato esperado por uma moral de costumes muito rígidos construiu um discurso sobre o sexo feminino que o aproximou dos discursos pejorativos sobre os negros enquanto raça inferior.
 
O conjunto de qualidades exclusivamente doces e graciosas que se supunha resultar, de modo absoluto, do sexo, era como o conjunto de qualidades passivas e dos traços inferiores do negro, que se atribuíam de igual modo – sob o patriarcalismo escravocrático e ainda hoje – à base física ou biológica da raça. Quando a verdade é que a especialização de tipo físico e moral da mulher, em criatura franzina, neurótica, sensual, religiosa, romântica, ou então, gorda, prática e caseira, nas sociedades patriarcais e escravocráticas, resulta, em grande parte, dos fatores econômicos, ou antes, sociais e culturais, que a comprimem, amolecem, alargam-lhe as ancas, estreitam-lhe a cintura, acentuam-lhe o arredondamento das formas, para melhor ajustamento de sua figura aos interesses do sexo dominante e da sociedade organizada sobre o domínio exclusivo de uma classe, de uma raça e de um sexo. (FREYRE, 2003: 210).
 
O trecho supracitado não nos deixa esquecer o quanto o corpo feminino no Brasil colonial e imperial esteve imbricado ao jogo de poder exercido pelo homem branco sobre a mulher negra e branca, impingindo submissão para ambas. Com sua cintura afinada por espartilhos, pés pequeninos e cabelos bem arrumados, a sinhá estava sempre pronta para procriar. Já a mucama era usada para os prazeres físicos de seu dono. O discurso sobre os encontros furtivos entre a casa-grande e a senzala é recorrente. Oliveira Viana, exemplo de como uma pretensa sociologia encampou o que há de mais vulgar na ideologia do colonialismo, escreveu o seguinte sobre a condição das mulheres negras no Brasil Império:
 
Mergulhado no esplendor da natureza tropical, com os nervos hiperestesiados pela ardência dos nossos sóis, ele é atraído, na procurado