Revista Rua


Uma enunciação sem comunicação: As tatuagens escriturais
An utterance without communication: the scriptural tattoos

Marie-Anne Paveau

As tatuagens escritas são produções ambíguas, ao mesmo tempo escritura do coletivo sobre o indivíduo (caso de tatuagens ritualísticas ou marcações forçadas) e escritura do indivíduo por/sobre ele mesmo, o todo em uma relação complexa de si com seus exteriores ambientais.
Antes de examinar de mais perto esse complexo enunciativo, eu proponho uma tipologia formal das tatuagens escritas tais como aparecem nos exemplares que constituem meu corpus (ver a lista no fim do artigo). Elas têm algumas características comuns, o que fazem delas uma categoria bastante estável sobre o plano lingüístico:
- são escritas freqüentemente plurisemióticas, os enunciados se articulam com imagens (e vice-versa);
- elas são perfeitamente legíveis, o modo gráfico escolhido, no entanto, manuscrito, assemelha-se mais à caligrafia (como em um monumento ou em um produto manufaturado) do que da escritura cursiva (como em uma folha ou em um caderno de notas);
- salvas exceções notáveis sobre as quais eu retornarei, são formas breves, que se mantêm sobre um espaço tegumentário reduzido.

1.1.INICIAIS, SIGLAS E NÚMEROS

São as formas mais comuns e mais conhecidas, às vezes muito codificadas: no contexto carcerário tradicional, encontramos recorrentemente MAV (morte aos policiais[5], que existe também sob a forma de três pontos em triângulo), MAT (morte aos homossexuais), VG (vingança), ou, ainda, BAA (bom dia aos amigos). A. Lacassagne destaca, em 1881, nesse mesmo contexto, Mort aux BBT (morte aos animais brutos) e, acompanhado de uma bandeja, de dois copos e uma garrafa, a inscrição VLEBV (viva o amor e o bom vinho). PLV (para sempre) acompanhado de um coração cupido é uma tatuagem amorosa comum. O corpus de tatuagens de adolescentes de H. Tenenhaus (1993) propõe igualmente: TDS (todas vagabundas), NS (nascido para sofrer), EDM (criança maldita), PCQJ (para aquele que eu amo), RAM (fique comigo), ou FLM (vá à merda), que não são representadas nos corpus clássicos (LACASSAGNE, DELARUE e GIRAUD,


[5] N. T.: Insulto dirigido a policiais, sua origem é alemã Wache, que significa guarda. Em francês utiliza-se a forma vaches (vacas) com o mesmo propósito. Nos anos 1890, foi slogan de anarquistas. Ver: http://www.mon-expression.info/mort-aux-vaches