Revista Rua


O discurso da ciência na contemporaneidade: "Nada existe a menos que observemos"
(The discourse of science in the contemporaneity: "Nothing exists unless we observe it.")

Marci Fileti Martins

As idéias de Lederman, assim, vão aparecer como uma “revelação”, como uma “descoberta” e uma conseqüência imediata disso é, na verdade, um efeito de continuidade, que pode ser observado na conservação da posição de poder da ciência. Agora, esse lugar de poder, não é mais garantido somente pela capacidade da ciência de explicar de forma inequívoca a realidade, mas também pela sua capacidade de dominar o conhecimento para a produção de uma tecnologia extremamente poderosa e cara. A afirmação de Lederman, quando assegura que se sabe “como” a mecânica quântica funciona, mas não se sabe “por que” funciona, ilustra esse ponto. Nesse contexto, em que o investimento nos produtos e não nos processos parece ser a tônica, a ruptura com os sentidos de um discurso científico entendido “como uma atividade de triagem entre enunciados verdadeiros e enunciados falsos”, o qual é resultado da produção de um sujeito da ciência “presente pela sua ausência” (PÊCHEUX, 1975:1997-98), fica mitigada.
A parte disso, mesmo enfraquecido, esse conjunto de dizeres que surge parece aproximar o discurso dos “cientistas e tecnólogos” daquele dos “literatos”[8]. Discursos esses, segundo Pêcheux (1982), separados por uma tradição escolar-universitária francesa, a qual construiu um abismo entre duas culturas designadas “literária” e “científica”:
 
Ao longo de toda uma história das idéias que vai do século XVIII ao século XX (através de Auguste Comte – A era da ciência – e o positivismo lógico, face aos romantismos, às filosofias da histó­ria e às disciplinas da interpretação), essas duas culturas não para­m de se distanciar uma da outra, veiculando, cada uma, não somente suas esperanças e ilusões, como também suas manias e seus tabus, ignorando de uma maneira mais ou menos deliberada a pró­pria existência da outra. (PECHEUX,1994: 56)
 
 
Os enunciados da revista National Geographic Brasil e do programa de TV “Discovery na Escola” parecem mostrar essa aproximação entre os literatos e cientistas, quando observamos que os cientistas, o arqueólogo Niels Lynnerup e o físico Leon


[8] Por tradição, segundo Pecheux (1994), os profissionais da leitura de arquivos são os "literatos" (os historiadores, filósofos, pessoas relacionadas às letras), os quais estão autorizados a ler e interpretar e, por sua vez, estão sujeitos ao equívoco. Por outro lado, os cientistas são os que produzem tecnologia, criam, utilizam instrumentos e lidam com universo das significações estabilizadas.