Revista Rua


O discurso da ciência na contemporaneidade: "Nada existe a menos que observemos"
(The discourse of science in the contemporaneity: "Nothing exists unless we observe it.")

Marci Fileti Martins

particularidade, ou seja, são as relações entre discursos que particularizam cada discurso.
Desse modo, proponho pensar a divulgação científica, especificamente, na sua relação com a FD da ciência, naquilo que essa FD particulariza o discurso de divulgação. Para isso, parto de certos enunciados do discurso de divulgação científica como “incerteza”, “incompletude”, “imperfeição”, “provisório”, “não pode ser comprovado jamais”, “nada existe a não ser que observemos” e “nós precisamos da incerteza, é o único modo de continuar”, que materializam certos sentidos sobre ciência aparentemente conflitantes com o funcionamento de um discurso concebido tanto “como uma atividade de triagem entre enunciados verdadeiros e enunciados falsos”, quanto como a produção de um sujeito da ciência que está “presente pela sua ausência” (Pêcheux, 1975: 71-98).
Essas formulações sobre a ciência, assim, apontam para um deslocamento no imaginário científico ao evidenciarem uma ruptura com certos sentidos até então construídos sobre verdade e subjetividade. Interessa-me, portanto, como propõe Pêcheux (1983), alcançar a objetividade material contraditória do interdiscurso que determina o discurso da ciência e o de sua divulgação buscando compreender as condições de produção históricas e ideológicas que tornam possíveis o surgimento desses enunciados, desses sentidos sobre ciência.
 
O IMAGINÁRIO DE CIÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE
 
 Einstein concebeu a teoria da relatividade, segundo a qual o espaço-tempo é curvo e torna-se dinâmico. Isso significa que está sujeito à teoria quântica e que o Universo em si tem todas as formas de histórias possíveis. A maioria dessas histórias seria muito inadequada para o desenvolvimento da vida, mas poucas preenchem as condições necessárias. Não importa que essas poucas sejam muito menos prováveis em comparação com as demais: os universos sem vida não teriam ninguém para observá-los[1] 
 
 
Inicio me posicionando, posteriormente, ao que Pêcheux e Fichant (1977) chamam de corte galiláico[2], num momento da história da ciência moderna, em que


[1] HAWKING ,2005: XIII)
[2] No processo histórico de formação da física científica, Pêcheux e Fichant (1977) chamam de corte epistemológico o “ponto sem regresso” (Regnaut, apud Pêcheux e FichanT, 1977) a partir do qual esta ciência começa. Corte galiláico, assim, seria um ponto sem regresso a partir do qual novos sentidos começam a aparecer resultando no que se denominou de ciência moderna. Segundo Guimarães (1997; www.geocities.com/Vienna/2809/descartes.html), Galileu foi mentor da mudança de paradigma e visão de mundo da ciência de sua época, já que veio corroborar o sistema de Copérnico, demonstrando que o conhecimento da natureza poderia ser adquirido por meio de um trabalho laborioso independente do aval religioso. Além disso, ainda de acordo com Guimarães (1997), Galileu foi o primeiro a combinar sistematicamente a experimentação científica com o uso da linguagem matemática: “Isso não foi feito apenas porque a matemática é a  ‘linguagem com que Deus fez o universo’, como diria ele, mas porque se prestava à perfeição para que hipóteses fossem divulgadas e compreendidas apenas por alguns poucos  ‘iniciados’, escapando, assim, da fiscalização inquisitorial. Como disse Fritjof Capra, ‘Os dois aspectos pioneiros do trabalho de Galileu - a abordagem empírica e o uso de uma descrição matemática da natureza - tornaram-se as características dominantes da ciência no século XVII e subsistiram como importantes critérios das teorias científicas até hoje’ ” (Guimarães, 1997).