Revista Rua


Arte de viver de narradoras de outro Javé chamado Guriú
Art of living of other narrators of Yahweh called Guriú

Glória Freitas

lembranças. Oferece-me o tucum, rede artesanal feita com fibras da região, e parece nem se importar com a expressão popular de que “quem empresta a rede dorme no chão”. Dá o tucum para alguém sentar é expressão gestual de acolhida, e uma forma de dizer seja bem-vinda. Significa dar ao forasteiro o lugar de descanso dos donos da casa; conceder ao viajante um lugar para viajar. Confortavelmente encostada no lugar em que se praticam sonhos, eis que começo a ouvir a dona da casa a cantar. Neste instante de repouso no tucum, sonho e drama se confundem com formas viáveis de fazer algum entendimento do estranho que nos habita, ou seja, o desejo.
E é sentada no tucum que escuto uma voz encantadora a cantar os dramas. Há um aforismo popular que diz “cantiga de rede faz sono em menino”.  Ficarei íntima deste tucum, ser-me-á oferecido o direito de me deitar no tucum e de, deitada, dormir, acordar, ouvi-la cantar, comer seus quitutes, escutar sobre suas dores e esquecer das minhas angústias.
Com o passar do tempo, chegava, via o tucum sempre armado e o dito popular me fazia sentido: “Quem tem rede se deita e quem não tem, procura”. Ou o ditado do povo de que “Rede armada está chamando”.  Chupar dindin (espécies de picolés feitos no congelador e acondicionados em saquinhos plásticos) feito por ela, anunciar a chegada das crianças e que são seus compradores prioritários de dindin. Com certo tempo já fazia tudo isso deitada no tucum. Sentava-me na cadeira para comer tapioca e tomar café ou seus deliciosos doces e beber água servidos gentilmente à mesa; e escutar sua voz insistindo para eu comer mais, que tinha comido pouquinho.
Com Otília aprendi a não ter pressa e a ouvir as pessoas encontradas ao acaso. E o imprevisto me levava a encontrar com pessoas não citadas ou ainda não entrevistadas até nos percursos na Chevrolet D-20 até Camocim atravessando as estradas carroçais. Foi assim que encontrei D. Mundica (falecida em 2005) e me deparei com muitos saberes essenciais sobre dramas cantados. Ter escutado as ex-dramistas que queriam falar foi ofertar um lugar de protagonistas às memorialistas e aprender a suportar o lugar de quem é mais conduzida por tais mulheres que condutora.
Isso representou a invenção de uma metodologia de pesquisa que foi incorporada por a geração de dramistas mais jovens e que encabeçaram um movimento de retorno das apresentações de dramistas, depois de um jejum de cerca de dez anos e que coincidiu com minhas passagens nas comunidades. Princesa, da última geração de dramista, narra visitas potencializadoras de saberes que resolveram fazer às casas de ex-dramistas de várias gerações em buscas de saberes sobre uma produção que surge nos atos criadores de mestra e das aprendizes. O mais paradoxal é que de tal ato