Revista Rua


Arte de viver de narradoras de outro Javé chamado Guriú
Art of living of other narrators of Yahweh called Guriú

Glória Freitas

Com efeito, a representação de comédias de drama era a única possibilidade de, com prazer e “devoção” ao desejo de representar, dramatizar e ganhar dinheiro. Quaresma era tempo bom para as meninas ganharem dinheiro com os dramas. As brincadeiras das meninas podiam acontecer, as comédias de drama eram neste momento as possibilidades de festa no período sisudo que ia da quarta-feira de cinzas até a chegada do Domingo de Páscoa. Não seria curiosa essa permissão para apresentação de dramas, em tempo quaresmal? E, principalmente, ao lembrar que as letras estão repletas de pilhérias com velhos, deficientes físicos, matutos, mulheres de bêbados e situações inusitadas em confessionários e tendo padres como personagens tão comuns às comédias de drama que eram apresentadas em Guriú.
Como imaginar meninas dançando e cantando nas quaresmas, representando bêbados, casais enamorados, mocinhas fugindo com rapazes, as atitudes dos apaixonados, o ódio dos traídos e vinganças de mortes?
 
A maior parte do pessoal só frequentava drama na quaresma, porque antigamente não existia festa na quaresma, agora é que está tendo seresta ou alguma coisa. A brincadeira era leilão e drama, quando era na Quaresma. Aí a gente aproveitava esse período para preparar os dramas. (Conceição, nascida em 1953, dramista dos 10 aos 17 anos)
 
Livres para encenar, as dramistas ganhavam dinheiro com sua arte. Livramento, filha de D. Conceição, nascida em 1974 e representante de um dos últimos grupos de dramistas (1990) revela que em 1990 a quaresma ainda era tempo de recolhimento:
 
A mãe dela era quem dava a sugestão. E a mãe dela dava sugestão e ela vinha convidar a gente, não é. “Vamos brincar, porque não vai haver nada agora na época da quaresma, não vai haver festa”. O pessoal antigamente respeitava muito a quaresma. Hoje é que o pessoal leva mais para seresta, é outra coisa. Não vai ter festa durante a quaresma, não vai ter festa em outras localidades, vai dá muita gente, não vai ter nada aqui no Guriú e com certeza é alguma coisa que a gente vai fazer e que vai dá muita gente.
 
Como inventário afetuoso dos tempos da pesquisa aprendi que seria irredimível o ato de ter feito as viagens na Camionete Chevrolet D-20 calada ou dormindo. O Pesquisador deve sempre ouvir. A lembrança da pesquisa desnuda que o narrado em Guriú tem valor de conceito e de vida. A escuta e a narrativa se bastam a si mesmas, pois preenchem qualquer ideia de interpretação.
Como registro afetuoso diante dos dons recebidos no decorrer da pesquisa, relembro que realizei encontros de memorialistas e abriram baús fechados por longos anos... E o desenrolar de seus relatos apontam caminho para a certeza de que em algum