Revista Rua


Arte de viver de narradoras de outro Javé chamado Guriú
Art of living of other narrators of Yahweh called Guriú

Glória Freitas

produtivo estético não se sabe dele antes que ocorra, que se faça, que se experimente. Então o que levaria a ouvir para fazer? Ouvir para esquecer?
 
A gente procurava porque a gente não sabia da comédia, então a minha mãe sabia de umas e não sabia de outras, ela mandava a gente ir procurar com as pessoas que já brincaram, elas davam as partes que elas sabiam, como elas ensinavam a gente, quando dava elas explicavam: “A gente faz assim, assim”, aí elas diziam como era para a gente treinar em casa, para poderem saber. Isso ajudou muito, por que através delas a gente arranjou várias músicas de drama, que a gente não sabia e elas sabiam, davam a maior força a gente. A gente ficava porque tinham umas que faziam os gestos assim... tão bonitos que a gente mesmo não ia destrinchar, aquele passo que elas faziam. Elas faziam para a gente ver. A gente pedia para ver: “Mulher, faz aí para a mim o gesto para eu saber como é que faz!” E elas faziam para a gente ver como era, porque a gente não ia ter tempo de estar lá, elas não iam ter tempo de estar em casa, então a gente pedia a elas para fazerem os gestos e, em casa, a gente ia treinar. É porque a minha mãe está assim... já idosa, então não lembra muito, e ela lembra sempre das partes que ela sempre enfrentava, as que ela não sabia, já as que não passaram por ela, ela mandava a gente procurar as que sabiam. Elas sempre ajudavam a gente, elas escreviam pra gente, dava mesmo tudo certo.
 
Outra aprendizagem possível é da irreverente produção da insubordinação aos modos regulatórios da vida, despotencializadores da vida e implicadores da morte do desejo. Para além do aprendizado para ser dramista o efeito do falar foi revelando que essas trupes de mocinhas nas suas experimentações inventivas teatrais avançavam para derrubar proibições à condição feminina. Elas entoavam uma espécie de é proibido proibir nos seus gestos e vozes. Um caso comum às gerações mais velhas é não respeitar a quaresma. No momento mais proibido para festas, apareciam muitos dramas:
 
De criança começa a brincar drama, como eu, que comecei com dez anos. Foi indo, foi indo, eu só vivia brincando drama. Agora não, mas de primeiro a gente só vivia brincando drama, só vivia brincando drama. Quando era o tempo da quaresma, que não podia fazer samba, era drama por cima de drama, não era Comadre Laura?... Quando não era na quaresma, a gente brincava muitas partes, ensaiava muitas partes, aí tinha o samba, e o povo começava logo a dizer: “Está bom! Está bom! Depressa! Que é para nós dançarmos! Que já está na hora da gente começar!”, porque antigamente a festa, quando ia começar, eram sete horas, agora não, é às dez horas. Agora empata da gente começar drama, não é? Então, quando era na quaresma não tinha samba, e aí a gente brincava a vontade, as meninas ensaiavam os dramas, eram muitas partes, a gente ensaiava, a gente brincava as partes tudinho que a gente ensaiava, porque não tinha samba! O negócio era esse! (Maria, nascida em 1945).