Revista Rua


Arte de viver de narradoras de outro Javé chamado Guriú
Art of living of other narrators of Yahweh called Guriú

Glória Freitas

De repente, chegou um rapaz da “Febre Amarela”(a atual Sucam ou Funasa) e lhe entregou um bilhete que deveria ser entregue a Rita Carvalho. Não é possível saber se era um encantado ou um encanto de rapaz!
Completamente envolvida com o mistério que explicaria anos de melancolia, fiquei entregue às versões das narradoras de uma explicação para aquele longo período de negação à vida, de um luto no viver e do desfazer das lutas necessárias para viver. O fato é que tentei conversar com Rosa e ela me impediu dizendo que estava sem a dentadura, que eu voltasse depois. Experimentei este e outros tempos de uma autorização adiada para ouvir um pedaço da história das Dramistas de Guriú. Muitas vezes, voltava para a casa de meus hóspedes pesarosa de sofrer a espera da escuta, levantando desanimadamente os pés para conseguir vencer as distâncias do caminho de areia.
Há quem narre que o bilhete recebido por Rosa foi guardado no soutien e imediatamente ela começou a passar mal. E há outra versão que sustenta que Rosa leu o bilhete e caiu enferma prontamente. O bilhete desaparece misteriosamente e Rosa esquece o seu conteúdo. O que se segue são dezoito anos de um estado de sonolência, depressão, ausência de forças e de permanência deitada em uma rede, até ser curada por uma Igreja Evangélica. Inimaginável, indescritível, impossível descrever a minha intensa desilusão em não produzir um saber sobre longos anos que se passaram nos tempos posteriores ao recebimento do bilhete. O que estaria escrito neste bilhete?
Para além da decepção do não saber o que estaria escrito neste bilhete, é impactante este encontro. É dolente ouvir e é doloroso escrever sobre esta história. Claro fica que o grupo de dramistas veio a desaparecer. Rita tratou de cuidar da irmã, já que entendeu que caberia a ela todo o efeito deste feitiço. Narra que escapou por não estar em casa. O feitiço era para ela? Rita quer narrar que foi isso. E Rosa estabeleceu um vínculo tão forte com a irmã, que obrigava Rita a estar muito voltada a atendê-la. Emagreceu muito. E, cuidando da irmã, manteve-se até o dia em que casou.
Diante do anúncio do casamento, Rosa falou que ela iria abandoná-la. Por diversas vezes recebeu a visita do pai, que vinha decretado a lhe dizer que Rosa iria morrer. Saíam pela praia e levavam a noite andando até Camocim. Longe, muito longe é Guriú. Depois de trinta e oito anos, o irmão de outra dramista do grupo, Wanda, casou-se com Rosa. Este homem a chamava de Dona Rosa. E ela o chamava de Seu Valdir. Um casamento envolto em muito respeito. Nos remotos lugares do litoral cearense se chamam de senhor ou senhora as pessoas que devemos tratar com respeito. Fui lá à casa de Rosa e Waldir e flagrei este cotidiano respeitoso do casal