Revista Rua


Arte de viver de narradoras de outro Javé chamado Guriú
Art of living of other narrators of Yahweh called Guriú

Glória Freitas

Mas, o que podia significar um caderno cheio de letras sem uma mestra? Foi a arte de viver a produção de novas atrizes que Rosa mobilizou nos seus tempos de produtora de dramas e de dramistas. Imagino isso...
O drama cantado de Guriú é “coisa” de gente viva e, se isso não bastar, drama é tarefa daquelas que, vivas ou mortas, permanecem intensas na memória e alguns momentos na angustiante sensação de não se lembrar das comédias e cantar em pedaços.
Ser dramista é uma possibilidade cultural que um corpo adolescente ofereceu em 60 anos em Guriú. Ser mestre é meio, maneira, é o jeito possível de resistir arduamente contra dominações. Não houve dominação masculina que tenha conseguido matar o lugar adorável de dramista. Em nenhum tempo de suas vidas.
Este lugar de mestra era o único jeito possível de continuar a colocar as mãos nas cadeiras e cantar: a baiana faceira é do Brasil. Mesmo que dançasse para ensinar, as mestras estavam vivendo, ainda que disfarçadas de mestra. Nem pai, nem Padre, nem dono da terra, nem namorado ou marido coibiam.
Tornavam-se mestras, cada uma ao seu modo, querendo fazer prosseguir a arte de encenar cantando, driblando qualquer ordem vinda dos maridos: isso parece ser tudo o que há em comum em tantas mestras de tantas gerações e neste desenrolar de uma história que ensinou mulheres a resistir por 60 anos. Antônia Mundica, nascida em 1965, relata sua opinião:
 
Eu vou dizer só que fico com muita saudade deste tempo. Se fosse uma coisa que eu pudesse ter continuado, eu tinha ficado brincando! Até mesmo na idade que estou agora, se fosse para brincar, eu toparia. Se fosse, no meu caso, se meu marido tivesse me proibido, que ele não me proibiu, se tivesse me proibido, e se fosse para eu ensinar, eu acho que isso aí eu não ia querer não. Eu ia querer era brincar!
 
Vi uma dramista de Guriú pela 1.ª vez em 1997. Tudo começou assim como em um filme em que um viajante perdeu o barco e pediu uma água de coco em um bar, parecendo um Filme. Deitada no tucum, os dramas embalaram a minha alma e fizeram o tempo passar... Eu passava por um dos becos que levam da igreja à Camboa. Ia à procura de crianças brincando lá pela beira das águas do rio Guriú. Era julho de 1997. Eu vi uma mulher apoiada à janela, era Otilia.
Disse “Bom dia!” para a dona da casa debruçada e ouvi uma voz melodiosa que indagou... Ela queria saber quem era eu e o que fazia ali no seu lugar, e inquiriu a essa estranha que eu era, mas fez seu questionamento pelo desnudamento das nossas