Revista Rua


Arte de viver de narradoras de outro Javé chamado Guriú
Art of living of other narrators of Yahweh called Guriú

Glória Freitas

Rita me contou que Rosa levou dias pensando no que me contaria, pois, depois de tudo o quanto havia passado, não julgava saber muito sobre tudo isso. E eu cheguei à casa da Rosa acreditando nos surpreendentes efeitos da fala, da fala ressuscitando o pulsar de quem deseja e sendo mais que um milagre evangélico.
E Rosa soube falar. E ela quis e me recebeu com bastante alegria ao final, despedindo-se de alguém que já não era mais uma estranha; mas sou estranha, estrangeira e de modos esquisitos à cultura local. Quero saber de algo tão sem preço, mas que vence dezoito anos de sonolência. Insisti em acreditar no depoimento de Rosa, eu era dona do tempo para acreditar no pouco provável, insistindo em colocá-la disponível a narrar as suas (des)razões para brincar. Produtora de atrizes nos tempos rápidos e intensos entre o fim da meninice e a aurora da mocidade.
Será que é muito pouco? Querer saber onde estava a produtora de atrizes só com um caderninho na mão e uma ideia na cabeça? Insisto em afirmar que não estava escrevendo um roteiro de um filme. Olha que lembro a intensa vontade que eu tinha de fazer a Rosa falar. E Rosa falou. Rosa falou que, no decorrer deste período de hibernação, não pensava em nada. Rita disse que ela lavava e passava roupa, deitada numa rede. Na vizinhança, uma mulher pobre deu à luz a gêmeos. Deu-lhe o menino e ela o criou. Quando ele cresceu, foi informado de que aquela Rosa não era sua mãe. Ela não me falou deste filho. O essencial era falar dos tempos de mestra de drama.
Não sei o que pensar deste feitiço que imobilizou a mestra, mas que era destinada a discípula. Enquanto Rosa se julga responsável por tudo e mestra de drama, Rita diz que ela não fazia esforço para ser dramista, sempre foi trancada, mas líder. Ela não queria dançar, nem encenar; mas ensinava. E se eram convidadas a ir a algum lugar para apresentar dramas, logo o pai exigia que fossem com a Rosa. Rosa, irmã mais velha e produtora dos sonhos das irmãs mais novas, mais dançantes, mais cantantes dos desejos sonoros e dramáticos da irmã, dona do caderno cheio de sonhos.
Este estado de sonolência que invadiu nossa linda Rosa juvenil não apagou a memória desta mestra, que de Barrinha a Guriú trouxe a sua troupe de meninas dramistas. Jovem ainda, tanto quanto as outras, inventou um tempo em Guriú, e este tempo não era ontem e se refaz, tanto quanto um dia se fez, cada vez que alguém lembrar e uma ouvinte escutar. Mesmo que meia hora depois esteja, como presenciei com a maioria das entrevistadas, outra vez a querer lembrar a comédia de drama que acabou de esquecer; e recomeçasse a tentativa de lembrar, como quem acaba de aprender, tanto quanto faziam no tempo de aprendizes, eis que fui fazendo parte do projeto de lembrar e algumas vezes me indagavam: será que é assim? Eram agora